Crítica de Filme | O Duplo
Giselle Costa Rosa
Inspirado livremente no clássico romance homônimo O Duplo, um dos primeiros livros do escritor russo Fiódor Dostoievski, o filme do jovem diretor e roteirista britânico Richard Ayoade tem toda uma atmosfera kafkiana. Temos então um longa um tanto claustrofóbico. Os lugares muitas vezes são pequenos, com passagens estreitas, escuros, com objetos bem desgastados. O protagonista, um funcionário público que faz um trabalho bem burocrático e pouco ou nada reconhecido por seus superiores, vai ficando cada vez mais oprimido pelo sistema vigente.
Simon, vivido por Jessé Eisenberg (A Rede Social), é um rapaz tímido, introspectivo e inteligente que se enxerga totalmente diferente da forma como o restante do mundo o vê; isso quando é notado. Essa discrepância de percepções vai fazer com que sua existência seja cada vez mais sofrível. Toda essa opressão dividirá sua personalidade em duas partes, tornando-se seu próprio inimigo, vivido pelo novo colega de trabalho – uma cópia física fiel -, mas o oposto em termos de personalidade. Logo esse novo funcionário, James, consegue destacar-se na empresa às custas de Simon. Mulheres, chefe, colegas de trabalho, todos adoram o seu outro Eu. Diante disso, ele, cada vez mais invisível e hostilizado, desespera-se.
Assim como nas histórias de Kafka, a situação piora paulatinamente, tornando a existência de Simon claustrofóbica e traumática. Parece que nada que o personagem faça o desvia do curso dos acontecimentos funestos e de um iminente desenlace trágico. Nesse sistema, o simples fato de perder um cartão de identificação o faz não ser mais reconhecido como cidadão. Ao perder seus documentos que estavam numa pasta, Simon vai desaparecendo do sistema, sem chance de retorno. Além de flertar com o universo do escritor tcheco, o filme também traz referências cinematográficas estéticas ou simples menção dos diretores Orson Welles, Alfred Hitchcock e David Lynch.
O roteiro segue muito bem até pouco depois da metade do filme, quando não consegue resolver certas situações pautadas durante o longa, talvez por falta de tempo para conclusão do enredo dos personagens. Nada que comprometa o filme como todo. Vale citar também a boa atuação de Mia Wasikowska (Amantes Eternos), na pele da colega de trabalho Hannah, que na trama é desejada de forma romântica por Simon. Eisenberg, por sua vez, não consegue dar conta de viver um papel duplo com qualidade, mas o vemos se esforçando.
Histórias que lidam com esse tipo de duplicidade antagônica, como no bem executado “Homem Duplicado”, de Denis Villeneuve, não é tarefa fácil. Richard Ayoade ousou e não conseguiu fechar bem as discussões levantadas sobre perda de identidade, baixa autoestima e competitividade no mercado de trabalho. Mas tem seu mérito na execução do longa.
BEM NA FITA: a ousadia do diretor, bom elenco.
QUEIMOU O FILME: roteiro com problemas no desfecho do enredo dos personagens.
TRAILER
FICHA TÉCNICA
Título original: The Double
Direção: Richard Ayoade
Roteiro: Richard Ayoade e Avi Korine
Elenco: Jessé Eisenberg, Mia Wasikowska, Noah Taylor
País: Reino Unido
Gênero: drama
Ano de produção: 2013
Duração: 93 minutos
Classificação: 14 anos