Crítica de filme: “Os Miseráveis”

Alan Daniel Braga

O clássico Os Miseráveis (Les Miserábles), escrito por Victor Hugo e publicado em 1862, foi vítima de opiniões conflitantes quando levado para os palcos na década de 80. Muitos críticos achavam ultrajante que uma obra-prima da literatura virasse um musical. Outros achavam a saga muito pesada para os palcos. O público, ao contrário dos críticos, consagrou a adaptação musical composta por Claude-Michel Schönberg e Alain Boublil, com letras de Herbert Kretzmer, que depois de tomar Paris e Londres, fez longa carreira na Broadway.

A história se passa na França do Século XIX e narra a trajetória de Jean Valjean, um ex-prisioneiro que, depois de ajudado por um bispo, viola a liberdade condicional, foge e adquire nova identidade, se tornando prefeito e dono de fábrica. Ao contrário de outros de sua classe, o novo rico ajuda os necessitados, mas o medo de ser desmascarado por Javert, seu antigo algoz e chefe da Polícia, faz com que ele vire as costas para Fantine, uma operária que é demitida por ser mãe solteira. Cosette, a filha de Fantine, é criada por um casal inescrupuloso que obriga a menina a trabalhar. Sem emprego, Fantine, que nem desconfia dos maus tratos do casal, não tem dinheiro para enviar para o sustento da filha e passa a se prostituir. Um dia, quando está prestes a ser presa por Javert, a doente Fantine recebe o apoio de Valjean. O ex-patrão a leva para um hospital e, para saldar a dívida que tem com a moça moribunda, promete cuidar de Cosette. Mas para cumprir a promessa, Valjean e Cosette terão que continuar fugindo. Isso acontece até 1832, quando Cosette se apaixona pelo estudante e revolucionário Marius, o que muda o rumo das vidas de protetor e protegida.

A nova versão cinematográfica, dirigida por Tom Hooper, é uma adaptação direta da peça musical. O livro de Victor Hugo é utilizado para preencher algumas lacunas de ação e narrativa, alterando alguns fatos ou suprindo as limitações do palco, mas a ideia clara do projeto é priorizar aquilo que é essencial para o teatro: a atuação. O que se vê então são interpretações fortes, músicas gravadas em ‘som direto’ e muitos planos aproximados dos solistas. Quando o personagem está ali, em close na tela, é apenas ele e seu conflito – sua dor ou seu deleite (mais dor que deleite). Por isso, pouca variedade de imagem é dada a cenas que poderiam ser preenchidas com ações paralelas, flashbacks e afins. Assim, o roteiro não explora minúcias literárias (como o passado de alguns personagens) que poderiam dar mais ritmo à película. Muitas vezes a emoção sobressai, mas, em outras, o que se vê são alguns bocejos na plateia.

Mesmo assim, algumas cenas épicas, planos e movimentos grandiosos e bons efeitos especiais garantem imagens marcantes, como o grande navio encalhado que abre o longa-metragem. Arte e figurino fazem um bom trabalho e têm até uma abertura para inventividade (principalmente nas cenas da taberna).

Com o foco no ator, quase todos ganham um destaque. Hugh Jackman (Jean Valjean) e Anne Hathaway (Fantine) mostram maturidade e merecimento por seus Globos de Ouro. Samantha Barks (Éponine) e o menino Daniel Huttlestone (Gavroche), presenteados com personagens ‘menores’, mas de grande força dramática, dão mais graça ao desenrolar da trama. A menina que faz a jovem Collete Cosette, Isabelle Allen, também traz vida com sua breve aparição. Sacha Baron Cohen (Thénardier) e Helena Bonham Carter (Madame Thénardier), como de praxe, cumprem muito bem o papel de alívio cômico e o (não tão) jovem Eddie Redmayne (Marius) cumpre o papel de mocinho apaixonado e meio chato. Russell Crowe, como o antagonista Javert, surpreende por mostrar que, embora não seja lá o cantor esperado para o papel, sabe cantar. (Eu não imaginava isso…) E, no meio disso tudo, quem fica apagada é mesmo Amanda Seyfried, que mal participa da festa. A força de Cosette para a trama é inegável. É por causa dela que Valjean resiste, é ela que move a história de Marius, de Fantine e outros. No entanto, a personagem em si é sempre levada pelos outros, aparece pouco, e, na maioria das vezes, para cantar a paixão ou os lamentos, ficando com parte considerável dos momentos entediantes do filme.

A relação entre Marius e Cosette, aliás, ganha pouco espaço na realidade. Por mais romântico que se presuma, não convence muito uma paixão arrebatadora nascida de uma troca de olhares e, mais tarde, de poucas palavras (cantadas) em um rápido encontro no jardim. A sensação que fica é a de que o casal só existe na película para suspirar e dar motivação para o protagonista, além de mover a, aí sim, determinada e interessante Éponine.

A maior dúvida dos fãs era se o filme ficaria bom sem os playbacks. Como dito, as músicas foram todas (ou a maior parte) gravadas com som direto, sem a tradicional dublagem de playbacks. (Veja o vídeo aí debaixo!). Em algumas cenas, como a primeira, o novo conceito não funciona tanto, tornando as falas meio incompreensíveis. Mas no todo, o resultado é eficaz.

No fim, Os Miseráveis cantam revoltas armadas, amores, trambiques, perseguições e muitos conflitos pessoais. Como era de se esperar, perfeito para os fãs do musical da Broadway, bom para os fãs de musical e maçante para os que não estão querendo ver pessoas cantando o que sentem. No entanto, o que vale mesmo é a boa e velha moral da história… Neste caso, a de que todo homem deve lutar contra as forças externas ou internas para ser aquilo que todos os homens deveriam ser: livres, iguais e fraternos.

BEM NA FITA:

Atuações fortes; Música com som direto; Fotografia (+Arte e efeitos); Alguns personagens “menores” que ganham destaque

QUEIMOU O FILME:

Falta de ritmo em algumas partes; Cosette; relação desinteressante do casal principal

FICHA TÉCNICA:

Diretor: Tom Hooper
Elenco: Hugh Jackman, Russell Crowe, Anne Hathaway, Amanda Seyfried, Sacha Baron Cohen, Helena Bonham Carter, Eddie Redmayne, Samantha Barks, Aaron Tveit, Daniel Huttlestone, Isabelle Allen, Colm Wilkinson e grande elenco.
Produção: Eric Fellner, Debra Hayward, Cameron Mackintosh
Roteiro: William Nicholson, baseado no musical adaptado da obra de Victor Hugo
Fotografia: Danny Cohen
Trilha Sonora: Claude-Michel Schönberg

ESTREIA: Dia 01 de fevereiro.

Alan Daniel Braga

Publicitário e roteirista de formação, foi de tudo um pouco: redator, produtor, vendedor, clipador, operador de som e imagem, divulgador, editor de vídeos caseiros, figurante e concursado. Crítico, irônico e um tanto piegas, é conhecido vulgarmente como Rabugento e usa essa identidade para manter um blog pouco frequentado (Teorias Rabugentas). Também mantém uma página no Facebook (Miscelânea Rabugenta), com a qual supre a necessidade de conhecer músicas, artistas e pessoas novas. Está longe de ser Truffaut, mas gosta de dar voz aos incompreendidos. (Acesse http://teoriasrabugentas.blogspot.com.br/ e curta https://www.facebook.com/MiscelaneaRabugenta)
NAN