Crítica de Filme | Para o Outro Lado

Colaboração

Texto de Camila Vieira

Entre os cineastas contemporâneos, o japonês Kiyoshi Kurosawa demonstra talento inquestionável como orquestrador de encenações. Seu mais recente longa-metragem, Para o Outro Lado (Kishibe No Tabi, 2015), ganhou o prêmio de direção da mostra Um Certo Olhar do 68º Festival de Cinema de Cannes. O belo esforço de operação das formas cinematográficas já se sedimentava em outros longas do diretor, que inventam mundos onde o sobrenatural e os fantasmas são elementos-chave, como Pulse (2001), Bright Future (2003), Retribution (2006) e Sonata de Tóquio (2008), para citar alguns exemplos mais emblemáticos.

Em Para o Outro Lado, a protagonista Mizuki (Eri Fukatsu) elabora o luto da perda do marido Yusuke (Tadanobu Asano), que morreu afogado no mar há três anos. Depois deste intervalo de ausência, ele faz uma aparição a ela, convidando-a para uma jornada inesperada: visitar amigos importantes na vida dele que também foram atravessados pela dor da morte.

Com as breves visitas às famílias, Mizuki passa a compreender melhor o passado do marido e suas relações afetivas com os outros. Atenta às experiências de cada pessoa, ela também partilha sua própria dor. Como uma história de fantasmas, Para o Outro Lado poderia ser um simples filme de terror ou romance sobrenatural. Mas ele produz uma sofisticação: borrar as fronteiras entre o mundo dos mortos e dos vivos. Os fantasmas são figuras concretas nas cenas. Tal estratégia fílmica já está anunciada em uma das falas de Yusuke: “Não estou me referindo a outros mundos, mas a lugares reais”.

MV5BMTc2MDAyOTA1MV5BMl5BanBnXkFtZTgwODExNjU3NjE@._V1__SX1297_SY571_
Apesar dos mortos serem presenças fantasmagóricas tão concretas quanto os vivos, o filme é constituído de uma proliferação de figuras do invisível, que compõem uma atmosfera sobrenatural: as janelas abertas, com vidros foscos ou cortinas balançando ao vento; o barulho das árvores agitadas por ventanias; nuvens que pairam em alguns espaços; a iluminação – há inclusive uma reflexão sofisticada sobre a luz – que oscila entre o claro e o escuro.

Dispondo da força cinematográfica de tais figuras, há cenas notáveis: o mural de flores iluminado onde repousa o fantasma do sr. Shimakage (Masao Komatsu), seguido da longa sequência de planos da casa em ruínas; o aparecimento do fantasma do pai de Mizuki, em meio a uma ventania em uma floresta; o espírito atormentado que ainda não abandonou a mulher e aparece em meio a misteriosas nuvens.

Além do notável rigor de encenação, Para o Outro Lado trata de despedidas, de arrependimentos e perdões, de memória, de aceitação da perda, das responsabilidades que assumimos na relação afetiva com os outros. Um belo filme em torno da morte e da vida.

FICHA TÉCNICA
Título: Para o Outro Lado (Kishibe No Tabi)
Gênero: Drama
Direção: Kiyoshi Kurosawa
Elenco: Eri Fukatsu, Tadanobu Asano, Masao Komatsu, Yu Aoi, Akira Emoto
Duração: 128 min.
França: Japão, França
Ano: 2015
Classificação: 18 anos
Trailer:

Colaboração

Aqui você encontra textos de eventuais colaboradores e leitores do ULTRAVERSO, além das primeiras contribuições de colaboradores que hoje são fixos.
NAN