Crítica de Filme | Que Horas Ela Volta?

Juliana Góes

‘Que Horas Ela Volta’, de Anna Muylaert, retrata as diferenças sociais através da distinção entre patrões e empregadas domésticas. Por meio da história de vida de uma mãe e uma filha, faz uma análise impactante da sociedade brasileira contemporânea sobrecarregada de desigualdades e paradoxos. A importância da familiaridade e as relações de classes são dois assuntos característicos do Brasil, que Anna Muylaert faz refletir com inteligência e sensibilidade.

A personagem Val (Regina Casé) simboliza o retrato de muitas mulheres que foram obrigadas a deixar os filhos no nordeste para tentar conseguir oportunidade de emprego na cidade grande. Ela transmite simplicidade, naturalidade e faz de tudo para cumprir com suas tarefas domésticas. Val é uma pernambucana que reside em São Paulo na casa dos patrões há mais de uma década e criou uma relação maternal com o filho deles, Fabinho (Michel Joelsas). Ela faz o papel de “mãe”, confidente e amiga. Considerada “parte da família”, ainda dorme no quarto dos fundos, faz as refeições em mesa separada e nunca entrou na piscina da casa. Esse fato ilustra o comportamento de certas elites da sociedade que acreditam que os empregados não devem ultrapassar alguns limites.

Jéssica (Camila Márdila), filha da empregada, deixa Pernambuco para passar um tempo com a mãe e prestar vestibular de arquitetura. Inteligente e segura de suas escolhas, ela começa a questionar as regras impostas pelos patrões, em um lugar que simula cordialidade, mas sustenta opressão. A adolescente tem uma cabeça diferente à da mãe. Não se adequa a condição de filha de empregada, de dormir no chão no mesmo quarto da mãe, em uma casa onde há dormitórios vazios de sobra.

Apesar de se tratar de um tema dramático e comovente, o longa tem um tom cômico que conquistou a plateia. O filme é agradável do início ao fim. Não há outra atriz que se encaixe tão perfeitamente na pele da forte protagonista, como Regina Casé. Ela é indiscutível como atriz de cinema, por sua atuação impecável no aclamado filme “Eu, Tu, Eles”. O público acompanha por muitos anos a sua carreira, e todos sabem o quanto ela é engraçada e espontânea como no programa de tv da rede globo “Esquenta”.

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É evidente a química entre todo o elenco. Camila Márdila também tem uma atuação brilhante ao sondar a nova moradia, ganhando espaço na trama de uma maneira sagaz. Karine Teles e Lourenço Mutarelli desempenharam bem os seus papéis como um casal endinheirado e aparentemente felizes, mas ainda ligados a  conveniências sociais. Casé e Mardila atuaram tão bem que ambas dividiram  o prêmio de melhor atriz no Festival de Sundance. O filme também foi premiado no Festival de Berlim em fevereiro deste ano.  Além disso, foi bastante elogiado pela crítica da revista britânica ‘Screen’, apontando o com boas chances de indicação ao Oscar na categoria de filme estrangeiro;

Muylaert transformou uma narrativa simples a um fantástico roteiro, um dos filmes mais premiados e aplaudidos dos últimos tempos na história do nosso cinema.

Bem provável que o povo brasileiro se identifique com a história de Val, pois muitos irão perceber e comparar como sendo a sua própria história ou de famílias que conhecem. Que Horas Ela Volta? É uma das raras comédias do cinema nacional com tamanha qualidade e comoção.

FICHA TÉCNICA

Direção e roteiro: Anna Muylaert
Produção: Fabiano Gullane, Caio Gullane e Anna Muylaert
Elenco: Regina Casé, Camila Márdila, Michel Joelsas, Karina Teles, Lourenço Mutareli, Helena Albergaria, Luis Miranda e Theo werneck
Direção de Fotografia: Barbara Alvarez.
País: Brasil. Duração: 112 minutos
Ano: 2015

Juliana Góes

Leonina, carioca, adora filmes e séries, apaixonada pelos animais, e não vive sem chocolate...
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