Crítica de Filme | Selma – Uma Luta Pela Igualdade

Bruno Giacobbo

Em um mundo onde camisas de Che Guevara proliferam por aí, em que muitas pessoas as usam quase como uma segunda pele, os grandes revolucionários, aqueles que promoveram mudanças significativas, foram justamente os que pregaram mensagens de paz, não violência e de transformação através da cooperação humana. Sem querer comparar, Jesus Cristo e Gandhi são dois exemplos de personagens históricos que já tiveram suas vidas retratadas em belos e memoráveis filmes. No entanto, faltava ainda um longa-metragem sobre o pastor protestante e militante dos direitos civis, Martin Luther King Jr, que se tornou um mártir na luta contra a segregação racial ao ser assassinado, aos 39 anos, em 1968. Produzido pelo astro convertido em produtor de sucesso, Brad Pitt, e dirigido por Ava DuVernay, Selma – Uma Luta Pela Igualdade vem preencher esta lacuna de forma bastante digna.

A história toda se passa entre 14 de outubro de 1964, dia em que o líder pacifista recebeu o Prêmio Nobel da Paz, e 25 de março de 1965, data da ultima e mais bem sucedida das três marchas entre as cidades de Selma e Montgomery, no Alabama, pelo direito ao voto que ainda era negado a maioria dos negros no sul dos Estados Unidos. Neste percurso, acompanhamos os passos de King (David Oyelowo), da sua esposa Coretta (Carmen Ejogo), de seus amigos mais próximos e colaboradores, Andrew Young (Andre Holland), John Lewis (Stephan James) e Viola Liuzzo (Tara Ochs), uma dona de casa branca, mãe de cinco filhos, que se tornou uma inusitada ativista neste contexto social. Assim, em parte graças a este recorte temporal curto, podemos conhecer um pouco melhor o homem que tinha como lema negociar, protestar e resistir dando a outra face.

Estes cinco meses, talvez os mais marcantes da trajetória de King, foram tensos e o filme, com sucesso, consegue reproduzir esta tensão e transferi-la para o espectador. A cena do chamado massacre do “Domingo Sangrento”, dia 7 de março, em que aproximadamente 600 manifestantes negros, participantes da primeira marcha, foram atacados por policiais ao tentar atravessar a ponte Edmund Pettus, nos arredores de Selma, é o epicentro desta tensão. King não estava presente nesta ocasião. Longe dali, enfrentava problemas domésticos com a esposa. Por telefone, um jornalista relata as agressões, pinta em cores vivas o sangue derramado e, alternadamente, o líder pacifista, o presidente americano, Lyndon Johnson (Tom Wilkinson) e o governador do Alabama, George Wallace (Tim Roth), aparecem, em close, chocados com o desdobramento dos fatos.

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Encabeçado por um excelente Oyelowo, que poderia perfeitamente estar disputando o Oscar, o elenco afiado é o grande trunfo do filme de DuVernay, que conta, ainda, com uma fotografia, direção de arte, figurinos caprichados e trilha sonora repleta de soul music, tudo remetendo ao clima dos anos 60. Apesar da incorreção histórica de mostrar durante a maior parte do tempo Johnson como opositor de King, algo que não ocorreu na vida real, o embate ideológico entre estes dois homens gera algumas das melhores e mais tensas passagens de Selma – Uma Luta Pela Igualdade. E em um lapso de premonição King fala: “Eu quero viver muito e ser feliz”. Como registra a história, ele não viveu muito, já feliz, certamente, teria sido se tivesse testemunhado as conquistas que vieram após aquelas marchas do, hoje, longínquo mês de março de 65.

Desliguem os celulares e ótima diversão.

BEM NA FITA: Atuações, fotografia, direção de arte, figurinos e bela trilha sonora repleta de soul music.

QUEIMOU O FILME: A incorreção histórica de colocar Lyndon Johnson, quase o tempo todo, como opositor de Martin Luther King Jr.

FICHA TÉCNICA:

Diretor: Ava DuVernay.
Roteiro: Paul Webb e Ava DuVernay.
Produção: Brad Pitt, Christian Colson, Oprah Winfrey e Dede Gardner.
Elenco: David Oyelowo, Tom Wilkinson, Carmen Ejogo, Andre Holland, Stephan James, Tara Ochs,Tim Roth, Common, Ruben Santiago-Hudson, Lorraine Toussaint, Oprah Winfrey, Cuba Gooding Jr, Niecy Nash, Colman Domingo, Giovanni Ribisi, Alessandro Nivola, Keith Stanfield, Tessa Thompson, Wendell Pierce, Omar Dorsey, Ledisi Young, Trai Byers, Kent Faulcon, John Lavelle, Henry G. Sanders, Jeremy Strong, Dylan Baker, Nigel Thatch, Charity Jordan, Haviland Stillwell, Martin Sheen e Michael Shikany.
Diretor de Fotografia: Bradford Young.
Trilha Sonora: Jason Moran.
Duração: 127 min.
Ano: 2014.
País: Estados Unidos.

Bruno Giacobbo

Um dos últimos românticos, vivo à procura de um lugar chamado Notting Hill, mas começo a desconfiar que ele só existe mesmo nos filmes e na imaginação dos grandes roteiristas. Acredito que o cinema brasileiro é o melhor do mundo e defendo que a Boca do Lixo foi a nossa Nova Hollywood. Apesar das agruras da vida, sou feliz como um italiano quando sabe que terá amor e vinho.
NAN