Crítica de Filme: Somos o que Somos

Bruno Giacobbo

Ao longo da história, muitas coisas foram feitas em nome da religião e da fé. Todas as vezes que agiu impulsionado pelo sentimento de que estava sob os auspícios divinos, o homem realizou inúmeros feitos, alguns absolutamente terríveis. É desta forma que Frank Parker (Bill Sage) conduz, com mão de ferro e uma crença inabalável na vontade de Deus, o dia a dia de sua família, no filme de horror (terror) Somos o que Somos, de Jim Mickle, com estreia prevista para a próxima sexta-feira, dia 6 de dezembro.

Aparentemente, os Parker não são nada diferentes de seus vizinhos: legítimos “rednecks” (algo equivalente a caipiras, no Brasil), moradores de uma pequena cidade norte-americana. Contudo, eles guardam um terrível segredo, trancado a sete chaves até o dia em que Emma (Kessie Wesley), esposa de Frank, morre subitamente. Após esta tragédia, as filhas Íris (Ambyr Childers) e Rose (Julia Garner) se veem obrigadas a cuidar do pai e do irmão caçula Rory (Jack Gore), mas a vida deles nunca mais será a mesma.

Íris Parker (Ambyr Childers) e Rose Parker (Julia Garner)

Íris Parker (Ambyr Childers) e Rose Parker (Julia Garner)

Ao realizar uma releitura do filme mexicano “Somos lo que hay” (2010), Mickle fez questão de retratar seus protagonistas como pessoas discretas e simpáticas. Não poderia ser de outro jeito. Aquele que comete um mal acreditando que está fazendo o bem ou agindo baseado no amor, na maioria das vezes, não tem a mínima consciência de quão perverso ou nocivo é com os outros. Mal comparando, foi assim com a Inquisição e é com os Parker. Em dado momento, Rose fala: “Eu só queria que fossemos como todo mundo”. Mas eles não são e isto não é um problema, pelo menos no prisma do pai.

O horror quando perpetrado por pessoas que parecem incapazes de atos perversos é ainda mais chocante. Devido a isto, por si só, Somos o que Somos já seria capaz de despertar os piores pesadelos no público. Todavia, Mickle e sua equipe resolveram dar uma mãozinha: a fotografia cinzenta e a chuva que cai sem cessar durante quase duas horas tornam o longa-metragem bastante angustiante. As atuações das atrizes Ambyr Childers e Julia Garner também dão uma boa contribuição neste sentido. Na tela, suas belezas juvenis estão impregnadas da melancolia de quem sabe o que é estar na pele de Íris e Rose.

Dia de chuva e as meninas Parker abrigadas dentro de casa

Dia de chuva e as meninas Parker abrigadas dentro de casa

Alguns filmes marcam pelos diálogos inteligentes, frutos de um roteiro muito bem escrito (“A Caça” e “Blue Jasmine”). Outros não saem de nossas cabeças devido a sua acuidade visual (“Las Acacias” e “Segredos de Sangue”). E há aqueles que se tornam inesquecíveis graças ao impacto que certas cenas causam. Em um ano pródigo de películas assim, Somos o que Somos possui uma das três cenas que mais me impactaram, em 2013 (As outras estão em “Azul é a Cor Mais Quente” e “Killer Joe”). É o ápice de uma obra marcante, feita com uma crueza impressionante, capaz de horrorizar e petrificar até mesmo o insensível doutor Hannibal Lecter (Anthony Hopkins), em “O Silêncio dos Inocentes” (1991).

Desliguem os celulares e boa diversão.

BEM NA FITA: A caracterização dos personagens. As atuações de Ambyr Childers e Julia Garner. A fotografia, o trabalho de direção de Jim Mickle e, principalmente, a horripilante cena que marca o ápice do filme.

QUEIMOU O FILME: Nada. É o melhor horror (terror) de 2013.

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FICHA TÉCNICA:

Diretor: Jim Mickle
Elenco: Bill Sage, Ambyr Childers, Julia Garner, Jack Gore, Kessie Wesley, Kelly McGillis, Wyatt Russell, Michael Parks, Annemarie Lawless, Traci Hovel, Nat DeWolf, Nick Damici, Vonia Arslanian e Odeya Rush
Produção: Rodrigo Bellott, Andrew Corkin, Nicholas Shumaker e Jack Turner
Roteiro: Nick Damici e Jim Mickle
Fotografia: Ryan Samul
Direção de Arte: Ada Smith
Trilha Sonora: Jeff Grace
Duração: 105 min
Ano: 2013
País: Estados Unidos

Bruno Giacobbo

Um dos últimos românticos, vivo à procura de um lugar chamado Notting Hill, mas começo a desconfiar que ele só existe mesmo nos filmes e na imaginação dos grandes roteiristas. Acredito que o cinema brasileiro é o melhor do mundo e defendo que a Boca do Lixo foi a nossa Nova Hollywood. Apesar das agruras da vida, sou feliz como um italiano quando sabe que terá amor e vinho.
NAN