Crítica de Filme | Trumbo – Lista Negra
Bruno Giacobbo
Ao contrário do que a maioria das pessoas esperava, o fim da Segunda Guerra não proporcionou um subsequente e duradouro período de paz. Para derrotar os nazistas e suas ambições expansionistas, os Estados Unidos e a União Soviética tiveram que se aliar. O problema é que as duas nações professavam credos diferentes em relação aos modelos econômicos e sociais que consideravam como mais justos para o restante do mundo. Encerrado o conflito armado e subjugado o inimigo comum, os dois países, tão expansionistas em suas crenças quanto os nazistas, iniciaram uma batalha diferente. Travada no campo ideológico, a Guerra Fria, que recebeu este nome, pois, oficialmente, eles nunca pegaram em armas um contra o outro, embora tenham participado de confrontos militares (Coréia e Vietnã) que opunham as duas visões ideológicas, trouxe para dentro de suas respectivas fronteiras a paranoia de que o inimigo estava ali, dentro de casa. Na América, este sentimento alimentou o macarthismo, movimento político liderado pelo senador Joseph McCarthy que, ao longo dos anos 50, denunciou, prendeu e condenou inúmeros simpatizantes da chamada ‘ameaça vermelha’. Neste contexto, ninguém estava a salvo, nem mesmo Hollywood e suas estrelas.
Baseado no livro homônimo de Brian Cook, Trumbo – Lista Negra conta, de forma romanceada, a história de James Dalton Trumbo (Bryan Cranston), um dramaturgo, roteirista e membro do Partido Comunista dos Estados Unidos. Junto com mais nove profissionais da indústria cinematográfica, ele foi perseguido pelo Comitê de Atividades Antiamericanas, proibido de trabalhar e, posteriormente, encarcerado em uma penitenciária federal. Este grupo ficou conhecido como “Os Dez de Hollywood”. Apesar do tempo que esteve fora de circulação e de ter entrado para a temida ‘lista negra’, composta pelos nomes das pessoas que representavam uma ameaça aos ideais de liberdade da sociedade norte-americana, ele não ficou muito tempo sem trabalho. Graças à ajuda de alguns amigos fiéis e aliados pontuais, Trumbo usou pseudônimos e escreveu diversos roteiros de sucesso. O filme mostra, ainda, os embates do protagonista com outros personagens reais, como a jornalista Hedda Hopper (Helen Mirren) e o ator John Wayne (David James Elliott), dois ferrenhos patriotas; e a relação repleta de altos e baixos com o amigo Edward G. Robinson (Michael Stuhlbarg).
Dirigido por Jay Rouch, que tem como trabalhos mais conhecidos (e nada relevantes) as franquias “Entrando Numa Fria” e “Austin Powers”, o longa-metragem não ousa em nenhum aspecto técnico. Sua fotografia, com uma predominância de angulamentos em close, e montagem são convencionais, para não dizer conservadores. A trilha sonora também não se destaca. Contudo, ele aposta em uma dobradinha tão elementar quanto essencial na hora de realizar filmes de qualidade: roteiro e interpretações de primeiríssimo nível. Com diálogos inspirados e tiradas afiadas, o texto poderia ter sido escrito pelo próprio Trumbo. A história do personagem título, um drama, em determinados momentos, adquire contornos hilários. São várias as cenas onde é impossível segurar o riso, nesta obra que subverte o gênero e mostra que classificações não passam de bobagens. Argamassa dramatúrgica, o roteiro possibilita que atores díspares como Bryan Cranston, Helen Mirren, Michael Stuhlbarg e John Goodman brilhem em pé de igualdade. Todos estão fantásticos, mas o destaque vai para o protagonista. Celebrado pelo papel de Walter White, em “Breaking Bad”, ele dá sinais claros de que está pronto para brilhar no cinema como o fez na televisão.
Assim como seu personagem em vida, Trumbo – Lista Negra corre o risco de suscitar polêmicas por valorizar o lado heroico do roteirista, ao retratá-lo lutando pelo direito de professar uma crença política diferente do Governo Americano e por melhores condições de trabalho para os profissionais de Hollywood. Ele não foi o único, certamente, o que não invalida suas ações. Além disto, há a omissão de informações segundo as quais, na adolescência, ele teria pedido dinheiro ao pai para se filiar à Ku Klux Khan (KKK). Em defesa dos seus realizadores, vale dizer que o recorte temporal escolhido não contempla esta fase da vida do protagonista e o herói das ruas é colocado em xeque pelo chefe de família que, em casa, teve problemas de relacionamento devido às decisões profissionais que precisou tomar. Distante de uma biografia chapa branca, esta é uma obra sobre um homem como outro qualquer, com virtudes e defeitos, que procurou ser fiel aos seus princípios, onde alguns fatos foram romanceados em prol de uma coerência narrativa. Esta fidelidade lhe trouxe grandes problemas e rendeu um filme simples e extremamente envolvente.
Desliguem os celulares e excelente diversão.
FICHA TÉCNICA:
Direção: Jay Rouch.
Produção: Michael London, Kelly Mullen e Janice Williams.
Roteiro: John McNamara.
Elenco: Bryan Cranston, Diane Lane, Helen Mirren, Louis C.K., Elle Fanning, John Goodman, Michael Stuhlbarg, Alan Tudyk, Adewale Akinnuoye-Agbaje, Dean O’Gorman, Stephen Root, Roger Bart, David James Elliott, Peter Mackenzie, John Getz, Christian Berkel, Billy Slaughter, Richard Portnow e Sean Bridgers.
Trilha Sonora: Theodore Shapiro.
Direção de Fotografia: Jim Denault.
Edição: Alan Baumgarten.
Duração: 124 minutos
País: Estados Unidos.
Ano: 2015.