Crítica de Filme | Uma Vida Comum
Bruno Giacobbo
Temos todo o tempo do mundo, diz a música da Legião Urbana que serve de tema para a ótima comédia romântica com ares de “Efeito Borboleta” (2004), “O Homem do Futuro” (2011), onde o personagem interpretado por Wagner Moura usa uma máquina do tempo para tentar corrigir os seus erros. Acontece que nem todos têm esta chance e nos damos conta, às vezes tardiamente, que não desfrutamos da vida com a intensidade necessária e deixamos de aproveitar tudo o que ela nos ofereceu.
Este é o dilema de John May (Eddie Marsan), um funcionário público que há 22 anos tem como missão encontrar os familiares de pessoas que morreram solitariamente e tentar dar a elas uma despedida calorosa, digna da vida que tiveram (ou deveriam ter tido), ao ser comunicado pelo chefe de sua demissão, no delicado e melancólico Uma Vida Comum (2013), filme do italiano Uberto Pasolini – que apesar do sobrenome, não possui qualquer parentesco com o lendário Pier Paolo Pasolini.
Contudo, May tem um último caso para resolver. O de um vizinho encontrado morto dentro de casa. As pistas que podem levá-lo ao paradeiro da família? Uma identidade com o nome do falecido (William ‘Billy’ Stoke) e um álbum com fotos que acompanham o crescimento de uma menina do nascimento até, mais ou menos, os seus dez anos. Metódico ao extremo, ele logo conclui que se trata de uma filha desaparecida e fará tudo para encontrá-la.
É o trabalho que norteia sua vida. O mesmo comportamento demonstrado na vida pública impregna a vida pessoal. A rotina dele se resume a ir de casa para o serviço, do serviço para casa. Até na hora de jantar age do mesmo jeito. O cardápio é composto por uma lata de atum e uma torrada francesa. Sempre acompanhado de uma caneca de chá. Não há espaços para regalos que permitam o expectador acreditar, por um minuto sequer, que aquele homem vive intensamente. No fundo, sua existência não é muito diferente daquelas pessoas a quem ele dedica por completo sua vida. Ao perceber isto, com o aviso da demissão, tentará mudar o rumo dela, mas talvez seja tarde demais. Afinal, não existem máquinas do tempo nesta trama.
A começar pelo próprio nome em inglês da película, Still Life, que traduzido ao pé da letra significa “ainda vivo” ou “vida parada”, muitos são os recursos utilizados para inserir com êxito a plateia no clima da história. Até iniciar a busca por parentes de Billy Stoke, há pouca interatividade entre o protagonista e os outros personagens. Consequentemente, os diálogos são escassos. A monotonia reinante devido às pouquíssimas falas é acentuada pela bela fotografia acinzentada e a pela repetição de cenários. Tudo para reforçar a ideia de que os dias são sempre iguais. Este quadro só começa a se alterar com o dilema de May, a parir daí, gradualmente, observamos uma mudança de comportamento que perpassa todos os aspectos de sua existência.
O ator inglês Eddie Marsan, mais conhecido pela participação em “Gangues de Nova Iorque” (2002) e na duologia “Sherlock Holmes” (2009 e 2011), também contribui fundamentalmente para o sucesso desta obra. Ele conserva durante quase todo o filme a mesma expressão enfadonha, entrando com perfeição na pele de May. A riqueza de seu trabalho não está nos excessos, mas no minimalismo que confere a sua interpretação.
Um tanto arrastado, como manda o figurino da trama, Uma Vida Comum é apenas o segundo longa-metragem de Pasolini como diretor e roteirista. Até aqui, o ponto alto de sua carreira é o trabalho como produtor da película britânica “Ou Tudo Ou Nada” (1997), ganhadora do Oscar de Trilha Sonora. No entanto, com esta pequena jóia de final levemente surpreendente, ele oferece provas consistentes de que poderá se firmar, em breve, como um dos principais representantes do cinema de autor.
Desliguem os celulares e boa diversão.
BEM NA FITA: Emoção à flor da pele. É quase impossível não ser tocado por este filme.
QUEIMOU O FILME: Nothing.
FICHA TÉCNICA:
Direção: Uberto Pasolini.
Elenco: Eddie Marsan, Joanne Froggatt, Karen Drury, Andrew Buchan, Neil D’Souza, David Shaw Parker, Michael Elkin, Ciaran McIntyre, Tim Potter, Paul Anderson, Bronson Webb, Leon Silver, Lloyd McGuire, Wayne Foskett, Hebe Beardsall, William Hoyland e Deborah Frances-White.
Produção: Uberto Pasolini, Christopher Simon e Felix Vossen.
Roteiro: Uberto Pasolini.
Direção de Fotografia: Stefano Falivene.
Trilha Sonora: Rachel Portman.
Montagem: Gavin Buckley e Tracy Granger.
Duração: 92 min.
País: Grã Bretanha e Itália.