FARGO -- Pictured: Billy Bob Thornton as Lorne Malvo -- CR: FX/Matthias Clamer

Crítica de Série | Fargo (1ª Temporada)

Vitor Oliveira

No final de Fargo(1996), Marge Gunderson(Francis McDormand), após investigar a fundo a desordenada matança que tomou conta da cidade interiorana – que carrega o nome do título do filme –  diz com um ar desesperançado que “a vida é mais do que um pouco de dinheiro”. Essa desilusão está presente em alguns filmes dos Irmãos Coen: em Onde os Fracos Não Tem Vez, esse papel é do personagem de Tommy Lee Jones; em Queime Depois de ler, do agente da CIA vivido por JK Simmons. Em Fargo(2014), a desilusão também é um tema recorrente, só que dessa vez sentida por Molly Solverson(Allison Tolman), mas não só esse tema é aproveitado como outros da filmografia dos Irmãos também o são.

Roteirizada por Noah Hawley – aqui os Coen assinam apenas como produtores – a série acompanha uma sequência de acontecimentos na cidade de Fargo no ano de 2006. Lester Nygaard(Martin Freeman), um vendedor de seguros se envolve com o assassino Lorne Malvo(Billy Bob Thornton), e a relação entre os dois resultará em violentos assassinatos, que serão investigados por Solverson, a dedicada policial da cidade.

Demonstrando um enorme talento como roteirista, Hawley consegue emular a experiência de assistir ao longa de 96 com precisão. Não que a série seja uma tentativa de ser o consagrado filme, muito pelo contrário: aqui a série dá mais espaço para tramas paralelas e personagens muito mais esquisitos, ainda que use de estratégias de humor que consagraram os Irmãos, como a violência pontuando a comicidade da trama. Dois irmãos briguentos, uma dupla de criminosos com um sendo surdo e uma esposa oportunista são apenas alguns dos exemplos das personas que habitam esse universo peculiar.

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Tecnicamente, a série é impecável: utiliza do contraste entre o branco da neve e o figurino dos personagens para demonstrar a situação dos mesmos. Figurinos estes, que revelam muito sobre seus personagens: a inexpressividade das roupas de Lester nos primeiros episódios, as sombrias roupas de Malvo, etc. E ainda consegue trabalhar com simbolismos divertidos, como a chuva de peixes(uma clara referência a Magnólia, de Paul Thomas Anderson), o cartaz que diz: “and if you’re right and they are wrong?”, entre outros.

Lorne Malvo rouba a cena assim como Anton Chiguhr em Onde os Fracos Não Tem Vez. Determinado, sombrio e sanguinário, o assassino consegue fazer longos discursos ameaçadores, matar com uma frieza absoluta, e sair impune de situações improváveis com um cinismo impressionante. E suas semelhanças com Chiguhr passam pela atuação de Thornton, que impregnando um tom de voz contido, lembra muito a espetacular atuação de Javier Bardem no filme de 2007. Aqui, ele é a representação do mal, assim como em tantos outros filmes dos Coen(lembrando John Goodman em Barton Fink e o detetive de E Aí Meu Irmão Cadê Você? …), ajudado sempre pela direção que insistentemente fecha o plano assim que ele está em cena, ou o filma sempre de um ângulo baixo.

Já Lester Nygaard, é o oposto de tudo que Malvo é. Martin Freeman consegue dar o tom cômico da pacata vida de Nygaard. Humilhado constantemente por irmão, esposa e até antigos colegas de escola, Nygaard faz aqui o papel de homem-comum que se mete em confusão(assim como Josh Brolin em Onde os Fracos Não Tem Vez e Thornton em O Homem Que Não Estava Lá), e seu desenvolvimento é notado pela atuação de Freeman que exibe sempre uma postura cabisbaixa, um corte de cabelo covarde e um jeito de falar perdedor, com faniquitos na voz, gagueira e gestos atrapalhados.

E Allison Tolman revela-se uma grande atriz ao conferir à Solverson, uma cobiça em resolver o caso ao mesmo tempo em que a personagem se mostra preocupada e chocada com as descobertas. Além disso, a atriz conduz muito bem os momentos de desapontamento ao ter suas suposições por seus superiores, apenas demonstrando um olhar distante e uma boca contorcida. E claro, a sensibilidade ao ver um colega de trabalho morto, ou o relacionamento com seu pai.

Criando um universo único dentro do que se vê na televisão hoje em dia, Fargo confirma ser uma das melhores surpresas dessa década, e uma das mais divertidas também.

Ficha Técnica

Título Original: Fargo.

Gênero: Comédia/Drama.

Direção: Adam Bernstein, Colin Bucksey, Matt Shakman, Randall Einhorn, Scott Winant.

Roteiro: Noah Hawley.

Elenco: Allison Tolman, Billy Thornton, Martin Freeman, Bob Odenkirk, Colin Hanks.

Produção: Joel Coen, Ethan Coen.

Ano: 2014.

País: Estados Unidos.

Vitor Oliveira

Estudante paulistano, torcedor do Manchester United, fã de Crumb, Irmãos Coen e Velvet Underground.
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