Crítica de Série | Gotham (1ª temporada)

Wilson Spiler

Depois do sucesso de “Smallville” e “Arrow”, e do anúncio da produção de uma série sobre o Flash, foi a vez da DC revelar ao mundo um seriado baseado no universo de Batman. Mas, curiosamente, o enredo não seria sobre o Homem-Morcego. O roteiro trataria da criação de seus inimigos e, principalmente, do início da carreira de James Gordon, que, futuramente, como todos sabemos, chegará ao cargo de comissário. Em Gotham, no entanto, ele ainda é um mero detetive.

No anúncio da produção, confesso que torci um pouco o nariz, afinal, queremos ver o Batman distribuindo socos e pontapés pelos cantos de Gotham City, mas resolvi dar uma chance. Em um mundo completamente fora dos seriados citados acima, que têm realizado crossovers entre eles, Gotham não é bem uma série de herói, mas policial. Ok, não exatamente como um “CSI”, por exemplo, já que a parte científica praticamente inexiste, mas pela quesito investigação e resolução de crimes.

Morte dos pais de Bruce Wayne. Repare bem nas sombras. Minuciosamente.

Morte dos pais de Bruce Wayne. Repare bem nas sombras e nos corpos no chão. Minuciosamente.

Em Gotham, um novo recruta do Departamento de Polícia de Gotham da capitã Sarah Essen, detetive James Gordon (Ben McKenzie) se junta a Harvey Bullock (Donal Logue) para resolver um dos casos de maior destaque da cidade: o assassinato de Thomas e Martha Wayne (a propósito, a direção dessa cena é impecável em todos os aspectos). Durante sua investigação, ele conhece o filho dos Wayne, Bruce (David Mazouz), agora sob os cuidados de seu mordomo Alfred Pennyworth (Sean Pertwee), o que incentiva o detetive ainda mais a capturar o assassino misterioso. Ao longo do caminho, Gordon deve enfrentar a máfia liderada por Carmine Falcone (John Doman), bem como muitos dos futuros vilões da cidade. Eventualmente, ele é forçado a formar uma improvável amizade com Bruce Wayne, que irá ajudar a moldar o futuro do menino em seu destino de se tornar O Cavaleiro das Trevas.

A parte mais interessante de Gotham é, sem dúvidas, a formação dos caracteres dos personagens e como os vilões foram criados. Saber que o Comissário Gordon um dia teve que dever favores a Oswald Cobblepot (Robin Lord Taylor), o Pinguim, é bem impressionante, visto que o policial é tido como incorruptível. O seriado mostra que, às vezes, para você fazer o bem, nem sempre é possível ir pelo caminho correto. Aliás, essa relação de mocinhos e bandidos tão explorada nos quadrinhos é muito bem-retratada e é uma das características mais legais que a série “sugou” das HQs. A corrupção que infesta a polícia, a procuradoria e até a prefeitura é vista com normalidade por todos. Até a chefe de Polícia Sarah Essen (Zabryna Guevara) mostra receio em investigar os casos mais a fundo. O próprio Harvey Bullock é um dos que prega que é melhor deixar do jeito que está para não se comprometer, todavia seja um sujeito honesto e, sobretudo, fiel ao seu companheiro de farda. Vale destacar a sintonia da dupla Gordon-Bullock. Funciona bem.

Atuação de Robin Lord Taylor como Pinguim é um dos pontos altos da série

Atuação de Robin Lord Taylor como Pinguim é um dos pontos altos da série

Outro ponto positivo nesse sentido de adaptação é a caracterização dos personagens. Os atores foram escolhidos cirurgicamente pela produção, especialmente Sean Pertwee, Robin Lord Taylor, Camren Bicondova e Cory Michael Smith, que vivem, respectivamente, Alfred Pennyworth, Oswald Cobblepot (Pinguim), Selina Kyle (Mulher-Gato) e Edward Nygma (Charada). O Pinguim de Taylor, então, está excepcional! Mantendo a característica do andar do vilão e suas tramoias maléficas, o arqui-inimigo rouba a cena. A trama também ajuda, claro, já que é basicamente voltada para ele. O Charada se destaca bastante, principalmente na reta final da temporada, quando seu lado “dark” é revelado. Evitarei spoilers, ok? Destaquei esses quatro, mas David Mazouz, como Bruce Wayne, Ben McKenzie, como James Gordon e Donal Logue, o Harvey Bullock, valem as citações. O papel de protagonista caiu bem a McKenzie. O ex-astro de “The O.C.” não está brilhante, mas atua corretamente e mostra-se digno de carregar o bastão. Aqui uma curiosidade: o ator já foi a voz do Homem-Morcego, mas na animação “Batman: Ano Um” (2011). Legal, né? 😀

Se você é daqueles fãs que não aceitam mudanças nas adaptações, então nem assista à série. Boa parte do roteiro é inventado, até porque a história, em quase sua plenitude, não foi contada nas HQs. O que é resgatado mesmo das revistas é o clima: o ar sombrio, tons escuros, a neblina com o sol entre nuvens, o sarcasmo dos vilões, tudo está lá. A fotografia, aliás, é brilhante. Mas alguns personagens em Gotham sequer existem nos quadrinhos, no entanto servem para dar dinâmica aos episódios e boas reviravoltas na trama. É o caso da Fish Mooney. Interpretada de forma muito competente por Jada Pinkett Smith, a personagem é uma das que tem menos escrúpulos entre os vilões. Em luta eterna com Pinguim pelo controle da máfia, a vilã tem belos embates com seu rival, além de ótimos diálogos com Carmine Falcone, o “poderoso chefão”, vivido pelo experiente ator John Doman. Aliás, a relação desse trio e ainda contando com participação de David Zayas como Salvatore Maroni, o “dono” da outra parte da cidade, pode ser considerado um dos pontos altos do programa. Por sua vez, Drew Powell, que interpreta Butch Gilzeano guarda-costas capacho e braço direito de Fish e, por conseguinte, do Pinguim, é um dos alívios cômicos da série, mas tem uma das cenas mais dramáticas da temporada, principalmente no derradeiro capítulo. É fascinante. Fascínio também gerado pela personagem Kristen Kringle, de Chelsea Spack, que carrega um ar misterioso e vem gerando muita discussão sobre quem seria ela. Dizem as más línguas – ou as boas – que ela seria esposa do Senhor Frio (Mr. Freeze). Quem sabe? Ela tem um aparição muito recorrente na trama para ser uma “ninguém”.

James Gordon e Harvey Bullock, a dupla inseparável

James Gordon e Harvey Bullock, a dupla inseparável

Para não dizer que só falei de flores, Gotham tem alguns furos sim, como a relação mal explorada de Barbara (Erin Richards), ex-namorada de Jim Gordon, com Renee Montoya (Victoria Cartagena). Aliás, a policial praticamente some da série, ao lado de seu parceiro Crispus Allen (Andrew Stewart-Jones), sem que saibamos que fim teve a dupla. A personagem de Morena Baccarin, Dr. Leslie Thompkins, embora tenha papel bem designado no contexto da história, se mostra insossa, dando a parecer às vezes que foi colocada mais como uma rival para Barbara em uma trama paralela à recorrente. Aguardemos a próxima temporada.

Falando em trama, Gotham mantém sempre um ritmo que deixa o espectador interessado. Embora praticamente todos os episódios tenham um caso diferente, eles servem apenas de pano de fundo para o que vem acontecendo no cenário do crime na cidade e as investigações sobre a morte dos pais de Bruce Wayne. A tomada – e retomada – de poder entre os inimigos é muito interessante. É bem verdade que a série perde um pouco de força no meio da temporada, mas volta com tudo, principalmente nos capítulos finais. Os quatro últimos episódios, então, são empolgantes! O season finale fecha de maneira impecável, deixando um gostinho de quero mais para os espectadores e uma expectativa muito grande para o segundo ano da série, que volta apenas em setembro. Eu sou um deles.

TEASER:

Wilson Spiler

Will, para os íntimos, é jornalista, fotógrafo (ou ao menos pensa que é) e brinca na seara do marketing. Diz que toca guitarra, mas sabe mesmo é levar um Legião Urbana no violão. Gosta de filmes “cult”, mas não dispensa um bom blockbuster de super-heróis. Finge que não é nerd.. só finge… Resumindo: um charlatão.
NAN