Crítica de Série | Sense8 (1ª Temporada)
Bernardo Moura
É engraçado ver como tudo é época. Nas décadas de 50 à 80, a busca pelo futuro era notória. Com todos os aparatos possíveis, o futuro era retratado como uma coisa inigualável, impensável para os olhos da época. Seu modo de vida muitas vezes retratado com muito prata e robôs (o símbolo máximo da vida inteligente) eram usados à exaustão. A data para este futuro começava a partir dos anos 2000.
No final de 80 e na década de 90, a coisa já ficou mais aproximada de nós, mais próxima à realidade de hoje. Ainda com muito prata e alguns robôs, o modo de vida do futuro era mostrado como uma complementação ao modo de vida humano. Havia máquinas inteligentes? Sim. Mas elas faziam um serviço de casa ou guardavam um carro sozinho na garagem. Ou seja, não excluíam totalmente como muitas produções na TV e no cinema do período anterior o faziam. E o futuro da década de 90 era no máximo cem anos depois de 2015.
Agora, em 2015, a noção de futuro mudou totalmente. O homem mais aprimorado e mais inteligente, com pouco prata (haha) e usando seus dons para um bem coletivo, para o “bem maior” como os norte americanos adoram dizer. E não falo aqui de super heróis, falo de pessoas comuns. E temos visto isso no cinema desde o ano retrasado com o filme “Lucy” e tantos outros.
Fiz esta introdução bonitinha para falar do novo seriado do Netflix. Prometido como uma das grandes histórias do canal no ano, Sense8 era até então pouco conhecido do público que ansiava por outras produções do canal. Mas como uma galinha no galinheiro de roça, a série foi ganhando a mídia e soltando uns vídeos de curta duração interessantes e intrigantes que despertaram a cobiça de qualquer mortal. Ah, e claro, a imprensa mundial fomentou ainda mais os passos da galinha quando noticiava cenas de determinados atores fazendo sexo, quiçá, suruba aos olhos de quem quisesse assistir.
Dando a volta por cima e saindo bem ao largo da conotação sexual, Sense8 pode facilmente integrar a lista das produções que trabalham com o futuro. Melhor: ela trabalha com uma noção de futuro, que é muito mais próxima à nossa realidade: o cotidiano de vida humano. Quer coisa mais fascinante que isso? Neste determinado futuro, nós não temos nem a cura do câncer e nem da Aids. No entanto, temos o trabalho em equipe de uma turma que se descobre há pouco tempo em usar e trabalhar os seus cinco sentidos em prol deles e do tal bem maior.
Como falado lá em cima, Sense8 não fala de super-heróis. Fala de humanos (se quiser pode colocar o “super” como sufixo antes mas não teria 100% fiel ao sentido daquelas histórias) que levam suas vidas, seus medos, suas vitórias em várias partes do mundo. E só. Não tem nada de raios alfabetaionizáveis, ou óculos superpoderosos e armaduras que aguentam o calibre de uma AK-47.
E a diferença não para por aí. No episódio piloto, você vai achar a história um pouco parecida com “Heroes”, série da NBC que durou 4 temporadas nos anos 2000. Até porque a base da história é muito similar uma à outra: gente especial espalhada por diversos lugares e que se reencontram no final. Mas passe para o segundo e o terceiro episódios e você verá que não tem nada disso. Ou melhor, tem, mas não como queremos e ansiamos.
O curioso também é que esta vontade nossa, como telespectadores, de “um juntar com o outro e guerrear os males do mundo” é notória e a série brinca com isso o tempo todo. Durante seus 12 episódios, há poucos momentos (contam-se nos dedos de uma mão) onde todos estejam juntos. Em cada episódio, há no máximo o trabalho de parcerias ou até mesmo solo.
O impressionante é que as oito histórias começam disputando espaço pela sua atenção. Mas, calma, não estou querendo dizer que a edição fica prejudicada aqui. Apenas quero comentar que basta o segundo episódio para o trabalho de parceria acontecer e a história que já estava indo bem, começar a ficar mais fluida.
As histórias dos oito integrantes sensitivos que nasceram no mesmo dia 8 de agosto e provavelmente têm uma mesma origem e um provável tutor acaba mexendo com seus brios e vai te prendendo a cada cena. Você se apega ao drama pessoal do jovem ator Lito (Miguel Angel Silvestre) e seu namorado Hernando (Erendira Ibarra), as tentativas para não se casar de Kala (Tina Desai), os dramas familiares e pessoais de Wolfgang (Max Riemel) e Sun (Doona Bae), à luta por reconhecimento de sua identidade de Nomi (Jamie Clayton) com a ajuda da ótima Amanita (Freema Agyeman), a sobrevivência num bairro perigoso e pobre de Capheus (Aml Ameen), às questões mal resolvidas de Riley (Tuppence Middleton) e à busca incessante de Will (Brian J. Smith) por uma vida melhor. Com eles (e se dá também em razão das ótimas atuações), você acaba gostando de todos e acaba se identificando com um ou outro. Mentira: para mim, a personagem mais chata mesmo foi a Riley.
O sexo, as músicas utilizadas, a fotografia, o argumento dos personagens fazem parte de uma conjunto em que nada fica fora do contexto. Nunca vi uma cena de suruba tão bem feita. Aliás, foi naquele episódio ali, o sexto, no qual a série me ganhou totalmente. Antes, eu já tinha gostado, mas estava em estado de observação.
Por serem empatas, pessoas que têm o poder de sentir o que o outro está sentindo, os oito integrantes deste time ainda possuem um outro artifício generoso que os auxilia nas horas mais necessárias: uma nova forma de teletransporte mais barata e rápida. Olha a noção de futuro aparecendo aí de novo. E este teletransporte vai fazendo com que os personagens criem e construam situações altamente favoráveis ao enriquecimento da história. E sinceramente, só por isso, a meu ver, a série se torna imbatível. Já a considero como a melhor do ano e a melhor do canal, disputando com “Demolidor”, do mesmo canal.
Quando vemos os nomes dos criadores da série, Lana e Andy Wachowski, os mesmos do filme “Matrix”, entendemos num piscar de olhos o motivo deste futuro estar tão presente nas nossas vidas e nas vidas dos personagens. No desfecho dos 12 episódios, temos a sensação de que o futuro não é grandioso. É apenas vivido a cada instante. E pode estar mais perto do que imaginamos.
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