Crítica de Teatro | O Homem que tinha Memória
Anna Cecilia Fontoura
Teatro Poeirinha lotado! Era a última encenação da temporada de O Homem que tinha Memória . Estava tão cheio o recinto que essa que vos escreve pegou até o lugar extra. Mas, não se confunda: isso não é uma reclamação, pelo contrário, é um elogio. Confesso que é uma alegria ver o público prestigiando o teatro nacional. Sem contar, que estava em ângulo privilegiado! Fiquei sentada praticamente dentro do palco, e não perdi uma piscada, um suspiro, que rolou na peça…
O espetáculo, de forma criativa e interativa, já começou abordando o tema Memória desde o primeiro segundo. Os atores puxaram seus banquinhos e começaram a contar “causos” de infância e passaram a bola para o público compartilhar suas memórias. Prontamente as pessoas da plateia relembraram coisas engraçadas e inusitadas que faziam ou presenciaram quando crianças (a cada encenação o elenco deve se surpreender bastante com o que escuta…). Essa troca é algo muito positivo na peça, principalmente se você parar para analisar que as lembranças dos atores estão diretamente ligadas à história que ele interpretou na sequência. Isso é feito tão naturalmente que só fui me dar conta voltando para casa enquanto ainda refletia sobre o espetáculo .
O Homem que tinha Memória é composto por três histórias atemporais escritas pelo suíço Peter Bichsel (esses textos são de 1969, ou seja, uma Europa Pós-Guerra). Essa obra literária, que serviu como base para o espetáculo, se chama “O Homem que não queria saber mais nada e outras histórias”.
Em cena, Edison Mego dá vida a um homem obcecado por trens. É o primeiro conto (o que nomeia a peça). Obviamente ele possui boa memória e decora todos os horários, destinos e viagens dos veículos, mas se irrita ao ver as pessoas indo e voltando da estação. A moral da história é ótima (assim como a dos outros contos – mas, não vou contar o fim!) e tem momentos de grande dramaticidade, e claro, o ator dá conta do recado (assim como o resto do elenco também dá). Na sequência é a vez de Warley Goulart contar a história de um velho desesperado com a mesmice que resolve então trocar os nomes dos objetos. É o conto “A Mesa é uma Mesa”. De forma lúdica e divertida o ator ensina aos espectadores o novo idioma (idioleto) criado pelo personagem. Nessa hora eu tive certeza que o verdadeiro homem que tinha memória era ele …. Mas, depois descobri que isso se aplicava também a Cadu Cinelli que finalizou o espetáculo com “A Terra é Redonda”. Com direito a muito exercício de memória para explicar o que se passava na cabeça do protagonista do conto, o ator também fez a galera se divertir. O personagem planeja o que precisa levar numa caminhada para comprovar que nosso planeta é redondo. E no final Cadu ainda utiliza expressão corporal para representar o girar da Terra, o girar do Homem…
O Homem que tinha Memória é uma peça de qualidade com textos profundos que são muito bem cuidados e interpretados pelo elenco. O espetáculo reúne temas pesados como solidão, manias, exclusão, mas são interpretados de forma leve, divertida e com a pitada de drama na medida certa…
A montagem segue para o Solar do Barão, onde integra o Festival de Teatro de Curitiba, nos dias 01, 02 e 03 de abril. Ainda não há previsão de retorno aos palcos cariocas, mas a expectativa do elenco é que seja em breve.
FICHA TÉCNICA
Autor do Livro O HOMEM QUE NÃO QUERIA SABER MAIS NADA E OUTRAS HISTÓRIAS: Peter Bichsel Adaptação, Concepção Cênica e Interpretação: Cadu Cinelli, Edison Mego e Warley Goulart Supervisão: Isaac Bernat Cenários e Figurinos: Os Tapetes Contadores de Histórias e Bruno Perlatto Iluminação: Aurélio de Simoni Idealização e Direção Musical: Cadu Cinelli * músicas de Érica Alves e Gothan Project Programação Visual: Thiago Motta Fotos: Renato Mangolin Assessoria de Imprensa: Meise Halabi Direção de Produção: Caleidoscópio Cultural Produção Executiva: Rilson Bacco Coprodução: Mãe Joana.