CRÍTICA | ‘Democracia em Vertigem’
Larissa Bello
Sensibilidade no olhar sobre a política brasileira.
O cineasta Walter Salles disse uma vez que o papel do cinema “é gerar uma memória de nós mesmos”. Os filmes refletem o caráter sócio-político e cultural de suas épocas. Não é à toa que o cinema nasceu em plena era da Revolução Industrial, considerado o período do “boom” tecnológico do século XIX, e que viria influenciar profundamente os séculos seguintes.
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A história do cinema apresenta filmes com uma enorme gama temática em seus conteúdos, bem como diversas variações nas suas expressões de linguagem. Basta observar os movimentos cinematográficos ocorridos no mundo: Expressionismo Alemão, Neorrealismo Italiano, Nouvelle Vague, Cinema Novo, etc. Todos esses filmes estão imersos em ideologias ajustadas de acordo com o seu período e o pensamento de seus autores. Ficções ou documentários, não importa. Ambos gêneros fílmicos não excluem o viés ideológico contido em suas obras. O filósofo Gilles Deleuze dizia que a sétima arte poderia ser pensada como “uma máquina de guerra”. E isso vale tanto para os filmes hollywoodianos quanto para os chamados “cinema de autor”.
Dito isso, dois documentários chegaram às telas dos cinemas brasileiros abordando a mesma temática: o impeachment/golpe sofrido pela presidenta Dilma Rousseff em 2016. São eles: “O Processo”, de Maria Augusta Ramos e “Excelentíssimos”, de Douglas Duarte. Esses dois filmes estrearam, respectivamente, em maio e em novembro de 2018.
‘Democracia em Vertigem’ é o terceiro documentário sobre o impeachment
A cineasta mineira Petra Costa apresenta mais um documentário sobre o mesmo tema, Democracia em Vertigem, que estreou em junho, e não foi distribuído nas salas de cinema, mas sim pelo serviço de streaming Netflix. Outro diferencial está no caráter explicitamente pessoal que a cineasta coloca na sua obra. Assim como fez em “Elena” (2012), é a voz dela própria que narra o filme, no qual inclui a história de sua família e a dicotomia existente entre a perspectiva dos seus pais, que foram ativos militantes na época da Ditadura Militar, e do seu avô, sócio de uma construtora investigada pela Operação Lava-Jato. Com isso, a diretora traça um paralelo entre sua vida familiar e a polarização também ocorrida no país desde que se iniciou o processo de pedido de afastamento da então presidenta Dilma.
A mãe da cineasta foi presa na época da Ditadura no mesmo presídio que a ex-presidenta. Ela resolve, então, colocar as duas frente a frente para uma conversa. Com essa aproximação maior para filmar a ex-presidenta, Petra consegue captar bem de perto suas reações perante tudo que estava acontecendo naquele momento. Da mesma forma o faz com o ex-presidente Lula, cujo processo na Lava-Jato corria para que ele fosse preso.
O olhar sensível da cineasta
A captação dessas imagens é intercalada com outras de arquivo, que vão desde a construção de Brasília, passando por algumas do acervo pessoal da diretora e, também, imagens jornalísticas. Tudo isso está montado e entrelaçado de modo que nada passe despercebido pelo olhar da Petra. Ela tece seus comentários com uma voz melancólica e um texto poético. Analisa as imagens, criando um espectro narrativo que delineia os fatos ocorridos com uma sensibilidade bem característica de seus filmes.
Vale destacar o momento da tomada de posse da então presidenta Dilma, que aparece descendo a rampa do Planalto entre o ex-presidente Lula e sua esposa Marisa. Nessa mesma cena, o vice-presidente à época, Michel Temer, está nesse mesmo grupo, porém completamente deslocado. Petra faz uma interessante análise sobre esse momento ao observar os gestos e a movimentação que acontece entre eles. Dessa forma, pode-se perceber que a cineasta se inclui como um dos personagens no seu documentário.
Quando Democracia em Vertigem termina ficamos com uma sensação de profundo pesar sobre o Brasil. Refletimos entre as nuances de ingenuidade e, também, de consciência por parte da população. A câmera percorre aqueles que apoiaram o impeachment da ex-presidenta Dilma e a prisão de Lula, e os que foram contra. É como se ela tentasse achar uma saída, uma solução. Porém, o contexto político corrupto brasileiro está entranhado nas profundezas de um sistema que parece intransponível. O que sentimos, então, é realmente uma vertigem que não sabemos ainda ao certo quando e nem como irá terminar.
::: TRAILER
::: FICHA TÉCNICA
Título original: Democracia em Vertigem
Direção: Petra Costa
Roteiro: Petra Costa, Carol Pires, David Barker, Moara Passoni
Produção: Petra Costa, Joanna Natasegara, Shane Boris, Tiago Pavan
Distribuição: Netflix
Data de estreia: qua, 19/06/19
País: Brasil
Gênero: documentário
Ano de produção: 2019
Duração: 121 minutos
Classificação: 12 anos