CRÍTICA | ‘Demônio de Neon’ não é uma obra para qualquer espectador

Bruno Giacobbo

Alguns cineastas, depois de um tempo, ganham status de grife. E por grife entenda-se um estilo próprio, identificável em quase todos as obras destes. Assim aconteceu com Alfred Hitchcock, lá atrás, e com Quentin Tarantino, dos anos 90 para cá. No cinema atual, quem está bem próximo de trilhar este caminho é o dinamarquês Nicolas Winding Refn. Com 15 trabalhos creditados como diretor, ao longo da carreira, nem sempre ele teve a preocupação de deixar um legado que pudesse ser imitado por futuros realizadores. Isto começou a mudar com “Drive”, em 2011. Deste longa em diante, passando por “Só Deus Perdoa”, em 2013, até o novíssimo Demônio de Neon, características comuns como o uso de cores chamativas, o leve predomínio da estética sobre a história e trilha sonora marcante, podem ser facilmente notadas por qualquer cinéfilo. Esta atenção, relativamente recente com a questão da grife, chegou ao ponto dele usar suas iniciais, ‘NWR’, como uma espécie de marca d’água ao término dos créditos iniciais. No entanto, isto tudo de nada adiantaria se os filmes não fossem bons e eles são. Inclusive este último.

A história é sobre Jesse (Elle Fanning), uma garota do interior dos Estados Unidos que vai para Los Angeles tentar a sorte grande. Naturalmente bela, ela chama a atenção de Dean (Karl Glusman), um fotógrafo amador que também está em busca do sucesso. Juntos, eles fazem um ensaio e as fotos acabam parando nas mãos de Roberta (Christina Hendricks), proprietária de uma agência de modelos que topa contrata-lá. O problema é que a menina não acredita que tenha talento ou que leve jeito para a profissão. Entretanto, a medida que vai arrancando suspiros de gente como o estilista Roberto Sarno (Alessandro Nivola) ou despertando a inveja de top models mais experientes como Gigi (Bella Heathcote) e Sarah (Abbey Lee), ela vai, aos poucos, mudando e se tornando uma pessoa completamente diferente. Neste novo e  terrivelmente competitivo mundo da moda, as únicas pessoas que parecerão dignas de sua confiança são Dean e a maquiadora Ruby (Jena Malone).

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Classificar este novo trabalho de Refn dentro de um gênero cinematográfico específico será um desafio hercúleo para críticos e programadores do mundo todo. Drama. Suspense. Horror. Os três são plenamente aceitáveis. Talvez, o longa seja um pouco de cada coisa. Indiscutível mesmo é a nítida percepção de que o cineasta fez uma versão fashion de “Cisne Negro” (2010). Se no filme que deu o Oscar a Natalie Portman, Darren Aronofsky mostra os bastidores do balé internacional, aqui, o dinamarquês nos joga quase que no submundo do universo da moda. O nível de competitividade retratado é enorme e os envolvidos não medem esforços para provar que são melhores uns do que os outros. Assim, a impressão é que novatos como Jesse precisam tomar bastante cuidado, sob pena de serem devorados pela concorrência. Esta ‘disputa’ é mostrada de forma crua. Com isto, há cenas que parecem despropositadas. Porém, tudo tem o seu devido significado e uma cena mais para o fim pode perfeitamente fazer sentido quando vista em conjunto com outra mostrada no início da película.

Para além das características comuns que perpassam todos os últimos filmes do cineasta nórdico, este aqui possui outro mérito que precisa ser destacado: um ótimo leque de interpretações. Em uma atuação que, peculiarmente, remete um pouco ao seu próximo trabalho (“A Lei da Noite”, de Ben Affleck), quem chama mais a atenção é Elle Fanning. Sua transmutação de menina interiorana em fera da cidade grande se dá, gradativamente, diante dos nossos olhos. Tudo feito com muito cuidado para que não parecesse forçado. Quase no mesmo patamar, logo atrás, vem Jena Malone, a amiga de primeira hora da protagonista. Num mundo de glamour, ganhar a vida como maquiadora não lhe permite competir com tantas belas mulheres e confere imunidade a picada da ‘mosca azul’. Certo? Pode ser. Quem também está bem em cena, mas com uma participação curtíssima (tanto é que eu não o tinha citado ainda) é Keanu Reeves. Ele é o dono de um motel fuleiro onde mora Jesse.

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Demônio de Neon é um terceiro e importante passo de Nicolas Winding Refn no caminho de se tornar uma grife de respeito no mundo do cinema. E falando em grife, o fato dele, neste sentido, ser um longa-metragem sobre os bastidores do universo da moda, não poderia ser melhor. Agora, assim como seus dois trabalhos anteriores, (“Drive” e “Só Deus Perdoa”), esta não é uma obra fácil ou palatável para qualquer espectador. Ela vai chocar muita gente e até mesmo incomodar algumas pessoas mais afeitas aos cults. Contudo, dá para dizer que isto é parte do métier. Ou será que Quentin Tarantino agrada todo mundo? Alfred Hitchcock eu consigo acreditar que sim, mas o primeiro de jeito nenhum! Em tempo: gosto muito de ambos.

Desliguem os celulares e ótima diversão.

TRAILER:


FICHA TÉNICA:
Título original: The neon demon
Direção: Nicolas Winding Refn
Roteiro: Nicolas Winding Refn, Mary Laws
Elenco: Elle Fanning, Keanu Reeves, Christina Hendricks, Jena Malone
Distribuição: California Filmes
País: Estados Unidos, França, Dinamarca
Gênero: terror
Ano de produção: 2016
Duração: 118 minutos
Classificação: 16 anos

Bruno Giacobbo

Um dos últimos românticos, vivo à procura de um lugar chamado Notting Hill, mas começo a desconfiar que ele só existe mesmo nos filmes e na imaginação dos grandes roteiristas. Acredito que o cinema brasileiro é o melhor do mundo e defendo que a Boca do Lixo foi a nossa Nova Hollywood. Apesar das agruras da vida, sou feliz como um italiano quando sabe que terá amor e vinho.
NAN