CRÍTICA | ‘Dogman’
Bruno Giacobbo
O filme começa com um enorme Cão Branco. Com letra maiúscula mesmo, pois ele me remeteu ao animal do longa “Cão Branco” (1980), do “maldito” Samuel Fuller. Apesar da ferocidade demonstrada, dos rosnados, ele está preso, tomando banho em uma pet shop. E a ferocidade do bicho nesta tomada inicial está no ar da região onde fica a loja. Não é dito um nome, porém, a vizinhança seca, quente, empoeirada e pobre, dando a entender que talvez estejamos em Nápoles, no sul da Itália. E é lá que conhecemos Marcello (Marcello Fonte), o proprietário da loja, um pobre coitado que parece amar os cachorros tanto quanto sua filha. Sua vida é trabalhar, almoçar em uma trattoria local com os amigos – todos comerciantes locais – e jogar futebol. E esta ferocidade, que parece se alastrar a cada parca lufada de vento, está ainda mais impregnada em outro personagem da trama de Dogman, de Matteo Garrone.
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Simone (Edoardo Pesce) é um valentão, um criminoso sem grife. Alto, forte, põe medo e impõe respeito em qualquer um que se aproxime ou cruze seu caminho. No entanto, quem mais sofre em suas mãos é Marcello. Sem sabermos bem o porquê, apesar de tudo, o protagonista parece estimar o meliante, enquanto este, na verdade, o usa para serviços sujos, como conseguir droga com o traficante a quem está devendo ou servir de motorista em um assalto. Tais situações parecem não incomodar o comerciante tanto quanto incomodam seus amigos. Todos estão preocupados com os problemas provocados pelo bandido, afinal, sabem que ninguém está livre de ser próxima vítima. A situação exige medidas drásticas e eles se reúnem para encontrar uma solução. O problema maior será colocá-la em ação. O tiro sai pela culatra e, como consequência, quem acaba pagando o pato é Marcello.
Cineasta italiano, Garrone nasceu em Roma, mas parece oriundo do sul, tal a facilidade que ele tem em contar histórias típicas desta região. Baseada em casos reais, sua obra-prima e filme mais famoso, “Gomorra” (2008), é repleto de diversos Marcellos e Simones. Homens duros, que vivem como podem e resilientes se moldam as intempéries da região. Tanto na película de 11 anos atrás, como em Dogman, o lugar assume ares de protagonismo. Há uma relação intrínseca entre o caráter daquelas pessoas e a secura, o calor abrasante, a poeira que quase sufoca e a pobreza. Tudo perpassado pela questão cultural. A trama se passa na Itália, mas se encaixaria perfeitamente em determinadas realidades do cotidiano colombiano ou brasileiro. A cena em que os comerciantes buscam uma solução dialoga fortemente com outra de “O Homem do Ano” (2003), o subestimado longa de José Henrique Fonseca.
Candidato da Itália ao Oscar 2019, Dogman ficou cedo pelo caminho, suscitando por lá a mesma discussão que ocorre por aqui em relação à escolha dos nossos candidatos. Seus detratores lembram que havia no páreo uma obra de beleza ímpar: “Lazzaro Felice”, de Alice Rohrwacher. Tentando ser imparcial e olhando de fora, a escolha era bastante difícil. São filmes diferentes. Um apela para o lúdico para lançar um olhar crítico sobre a realidade (Lazzaro Felice); enquanto o outro, de uma maneira que já vimos outras vezes, desnuda com crueza a realidade (Dogman). Logo, a questão era em qual fórmula apostar, afinal, qualidade e lastro de sobra os dois tinham (ambos foram premiados no Festival de Cannes 2018). E, aí, cabe uma confissão: acreditando que o longa-metragem de Matteo Garrone estaria mais de acordo com a cara da Academia, eu teria feito exatamente a mesma aposta.
Desliguem os celulares e excelente diversão.
::: TRAILER
::: FICHA TÉCNICA
Título original: Dogman
Direção: Matteo Garrone
Roteiro: Ugo Chiti, Massimo Gaudioso, Matteo Garrone
Elenco: Marcello Fonte, Edoardo Pesce, Nunzia Schiano
Distribuição: Arteplex Filmes
Data de estreia: qui, 21/02/19
País: Itália, França
Gênero: policial
Ano de produção: 2018
Duração: 109 minutos
Classificação: 16 anos