CRÍTICA | ‘Fome’ é a obra de arte que vai saciar sua vontade em busca de um bom filme
Luigi Martini
Sob um olhar altamente fiel sobre a vida dos moradores de rua da capital paulista, Fome (2016) expõe a vida de um professor acadêmico que opta por seguir a vida nas ruas por conta de seu universo autocentrado e por sua possível misantropia; já em outro ângulo, apresenta declarações reais de pessoas que se encontram há pouco ou muito tempo nessa condição; seus desejos, rancores, traumas e como conseguem sobreviver a esse mundo cruel.
Temos aqui, acima de tudo, uma temática raramente exposta em primeiro plano de forma tão despretensiosa e humanística sobre esse tema – algo praticamente ausente na mídia geral que vemos diariamente. O filme é todo em preto e branco, o que evidencia ainda mais a frieza e a crueza das ruas, o que não reduz a beleza da fotografia por justamente ter isso como objeto explorado; o acompanhar da câmera ao redor do idoso pelo centro de São Paulo – diversos pontos históricos e importantes da capital como o Pátio do Colégio, a Catedral da Sé, o viaduto 9 de Julho que enriquecem o cenário visual – exprime desde a solidão e tristeza de estar dentro de um túnel no meio da madrugada fria até um sentimento ainda que menosprezado de paz e esperança no olhar do céu em meio a um parque. A função sonora existe majoritariamente para que se sinta as angústias do personagem, ficando assim ausente durante a maior parte do tempo; é só presente em pequenos instantes onde ilustra o sentimento de liberdade e vazio.

Observando os entrevistados sobre seus respectivos dizeres, vemos sentimento de conformidade, inconformidade, indiferença, comoção; somado a isso, a questão moral da propriedade da vida do personagem. O espectador certamente pode vir a repensar sobre seus julgamentos prévios e sua complacência; um indigente é, de fato, uma vítima do sistema político-econômico ou ele é resultado unicamente de suas próprias atitudes? É correto ou normal alguém querer viver em tal condição? A moral social e as boas condutas que nos foram ensinadas deveriam supor o destino desse indivíduo ou cabe a ele seu destino pelo fato de não suportar a convivência de um sistema padrão pétreo do qual não temos refúgio?
A atuação de Jean-Claude Bernadet – além de ator, é também teórico de cinema, escritor e cineasta belga – é brilhante. Mesmo pelo fato de sua persona o caracterizá-lo muito sobre seu real passado como pessoa, Jean consegue reproduzir tudo de forma assustadoramente fiel como um indigente principalmente no final da trama, onde seu olhar é capaz de transbordar com a maior profundidade sofrimento, remorso e inutilidade.
FICHA TÉCNICA
Luigi Martini
Estudante de publicidade e futuro professor em estudos da comunicação, tecladista de uma banda alternativa em desenvolvimento e alguém que procura pensar sobre a vida e seus pertences através de filmes.















































