Crítica de Filme | #garotas – O Filme
Blah Cultural
Produções como #garotas – O Filme são bem incomuns no cinema brasileiro. Elas podem suscitar polêmicas ao falar de temas sérios de maneira tão crua, atual e até mesmo um pouco suja. Ao alternar momentos cômicos e dramáticos, exatamente como acontece na vida real, torna-se um retrato realista da juventude. O longa sobre jovens mulheres “rock’n’roll” traz um elenco majoritariamente feminino com interpretações naturalistas. A trilha sonora tem coordenação de Rodrigo Gorky, do Bonde do Rolê, com faixas inéditas do grupo, além de uma canção original executada por Danni Carlos. Matanza, Banda Uó, Mahmundi, Maffalda, Maldit e Painside também enriquecem a película com suas músicas.
Por tratar-se de uma “novidade” na biografia do cinema brasileiro, o BLAH CULTURAL achou por bem enviar dois críticos bem rigorosos para analisarem #garotas – O Filme: Pedro Lauria e Bruno Giacobbo. Embora nenhum deles tenha adorado o longa, ressaltam a importância e o pioneirismo da produção.
Confira abaixo as duas críticas, mas assista também ao filme, formando sua própria opinião. Não esqueça de compartilhá-la conosco depois! 😉
“OBRA NÃO ATINGE TODO O SEU POTENCIAL”, por Pedro Lauria
Em dias em que o machismo social e institucional se vê confrontado pela voz das redes sociais e das manifestações, o protagonismo da mulher no cinema ganha cada vez mais importância. Principalmente quando falado de forma aberta, tratando a sexualidade de uma maneira despojada, onde rótulos misóginos são desconstruídos ao serem contrastados com a forma como o homem é visto no cinema. Por esses motivos #garotas – O Filme já ocupa um lugar importante em nossa cinematografia.
Mas…
Nem sempre uma boa premissa e um excelente timing conseguem sustentar uma obra.
#garotas – O Filme segue a vida de três jovens garotas de vinte e poucos anos. Se utilizando do recurso de montagem paralela, acompanhamos dois dias na vida delas – duas festas de Réveillon. A partir desse mote testemunhamos a mudança de comportamento da protagonista, Beth. Apresentada como a mais inconsequente e irresponsável das jovens, Beth, passou um ano morando fora, e, ao voltar com a cabeça mais madura acaba por criar uma ruptura com a imagem construída por suas amigas.
Se utilizando de uma linguagem moderna, pautada em filmes como “Projeto X” e “Se Beber Não Case”, com uma câmera mais fluida, cortes bruscos, montagem não linear e referências a cultura pop, a obra tem seu mais grave erro ao confiar demais no seu estilo, e abandonar sua substância. Sendo mais específico, embora a narrativa sobre a mudança de personalidade de Beth (interpretada de forma poderosa pela estreante Giovana Echeverria) instigue e nos faça ficar engajado pela trama, ela é mitigada pela edição paralela. Isso acontece porque ficamos sendo jogados de um evento realmente interessante (a segunda festa de Réveillon) para outro que não acrescenta em nada a narrativa (sendo justificada apenas em seus últimos 10 minutos de filme).
Praticamente restrito a dois ambientes, o filme também sofre pelo seu caráter independente. Os planos fechados nas cenas rodadas na boate, volta e meia soam forçados para evitar que não vejamos uma falta de figurantes. Também são perceptíveis problemas na câmera que, ao apostar no dinamismo e improviso de algumas cenas, acaba demorando a focar e/ou enquadrar corretamente a ação, em alguns momentos.
Alguns maneirismos também soam como cacos e nos tiram da obra. Destaco o exagero de uma sequência de briga, onde a quantidade de sangue é desnecessária e quase caricatural, e as piadas infantis envolvendo pênis de borrachas, flatulências e pessoas tomando “fluidos corporais” por engano. Tais cenas, fazem rusgas com temas do filme que deveriam ser melhor explorados e acabam por serem resolvidos de maneira repentina e artificial – como o abuso a mulheres, inseguranças com o corpo e sexo feito de forma irresponsável.
No final das contas, parece que o filme não consegue acreditar em seus acertos (destaco o trio carismático de protagonistas e o mote narrativo interessante) e acaba apostando em trejeitos estilísticos que só tiram a força do que a obra tem de mais interessante. Perdido entre as propostas diversificadas, o filme não consegue construir uma estrutura tão competente quando “Se Beber Não Case”, acerta raríssimas vezes ao apostar no humor sexual de “American Pie” e acaba perdendo a oportunidade de se aprofundar na discussão sobre a juventude como em “Skins”.
Em suma, #garotas – O Filme parece ser tão inseguro em suas qualidades e confuso quanto aos seus objetivos e as próprias personagens as quais ele apresenta. Porém, ao contrário das meninas do filme, infelizmente a obra não terá uma chance de amadurecer e atingir todo o seu potencial.
“COMÉDIA QUASE PÕE TUDO A PERDER”, por Bruno Giacobbo
O início pode afastar alguns espectadores. Três amigas em uma praia deserta. Uma visivelmente bêbada na areia. Duas acordando, demoradamente, dentro de uma barraca de lona. Corte rápido para o trio conversando sobre uma festa. Uma delas fala sobre uma experiência de sexo oral mal sucedida. O rapaz teve uma ejaculação precoce. Aí já dá para imaginar o que aconteceu em seguida. A descrição não é das mais agradáveis e o palavreado é bastante chulo. Como elas estão na casa dos vinte e poucos anos, normal. Quem não debandou até este momento, fez bem. A jogada seguinte da direção é voltar a narrativa 365 dias atrás, 31 de dezembro de um ano qualquer. As mesmas amigas. Uma boate. E a doideira é geral. Um clima estanho. Algo vai acontecer. Dá para sentir a tensão no ar.
Foi desta forma que o diretor e roteirista Alex Medeiros, profissional oriundo da televisão, resolveu iniciar a história de #garotas – O Filme, filme que por si só já tem um nome inusitado. Na trama, Beth (Giovana Echeverria) acabou de voltar de uma longa temporada nos Estados Unidos. Suas melhores amigas, Milena (Barbara França) e Karina (Jeyce Valente), estão morrendo de saudades e doidas para colocar o papo em dia. Querem, também, levá-la para uma balada. É a noite da virada. Depois, novo dia, novo ano e a vida delas seguirá caminhos diferentes. Karina está acabando a faculdade, Milena não sabe quando fará o mesmo e Beth começará a trabalhar em um novo emprego. Um senso de responsabilidade contrastante com o comportamento das primeiras cenas impede a protagonista de aceitar o convite tentador. É a prova definitiva de que alguma coisa aconteceu.
O longa-metragem de estreia de Medeiros tinha tudo para ser um pé na porta daqueles que dão gosto. Para Clint Eastwood nenhum botar defeito. A premissa da qual o autor parte é interessantíssima e muito bem conduzida. O vai e vem narrativo, mostrando as duas facetas de Beth, a irresponsável e a certinha, separadas por 365 dias, tem carga dramática mais do que suficiente para agarrar a atenção dos espectadores. Não é uma promessa em vão, não decepciona, e quando a explicação é apresentada no fim, o publico ficará satisfeito pela forma como foi ludibriado. A atuação do trio de protagonistas dá veracidade à proposta. O palavreado chulo pode até chocar os pudicos, mas era necessário. São garotas em plena efervescência sexual; e as atrizes se destacam, justamente, por entrarem de corpo e alma, e sem nenhum pudor, na pele das protagonistas.
O grande problema do filme consiste em se desviar, por diversos momentos, da premissa original. Quando o diretor direciona o foco para coadjuvantes como Bernardo (Raphael Logam), Mateus (Erick Vesch) ou Maurício (Alex Nader), ele deixa de lado o que importa, a trajetória daquelas meninas e o que aconteceu de relevante neste um ano, para tentar fazer humor com situações bizarras. Não apenas existem cenas completamente desnecessárias, como estes personagens, em desempenhos pífios se comparados ao trio principal, poderiam ter suas participações totalmente limadas da trama. Há ainda um vício televisivo que parece extraído, por exemplo, de “Malhação”: um clipe musical com as melhores cenas. Ele entra logo depois do clímax da história. Sem necessidade também. Assim, #garotas – O Filme é uma ‘dramédia’ onde o drama funciona perfeitamente e a comédia quase põe tudo a perder.
Desliguem os celulares e boa diversão.
FICHA TÉCNICA:
Direção e roteiro: Alex Medeiros
Produção: Rafael Costa
Elenco: Giovana Echeverria, Barbara França, Jeyce Valente, Ingra Lyberato, Bruno Dubeux, Rafael Canedo, Raphael Logam, Erik Vesch, Nicola Siri, Alex Nader, Maria Carolina Ribeiro, Lazuli Galvão, Natasha Sierra
Produtoras: Accorde Filmes, aramefarpado
Distribuição: Paris Filmes
Gênero: Drama
Duração: 100 min.
Estreia: 12 de Novembro de 2015