CRÍTICA | ‘Internet – O Filme’ já começa errando no título
Thiago de Mello
Os dois primeiros dos muitos erros de Internet – O Filme estão no próprio título. O “Internet” não faz o menor sentido já que ele é focado apenas em webcelebridades fictícias. Trata-se, portanto, de uma sinédoque que se apropria de um nome muito mais conhecido e abrangente (será que o YouTube não permitiu o uso de seu nome e marca?). O segundo é que “O Filme” também não condiz com o material final, já que o que é apresentado não é um filme, mas um apunhado de oito esquetes, sem qualquer linha narrativa.
Uma grande convenção de youtubers reúne as maiores celebridades do meio, além de pessoas comuns e aspirantes à fama que farão de tudo para galgar os degraus do reconhecimento.
A reunião de diferentes esquetes que compõem Internet – O Filme soa, desde o início, como um explícito merchandising de canais do YouTube e webcelebridades. Não há qualquer problema nisso, desde que a propaganda seja trabalha com o mínimo de qualidade narrativa, como é o caso dos ótimos Uma Aventura LEGO e, mais recentemente, LEGO Batman: O Filme. Mas não é o caso. Internet reúne oito esquetes, narrados concomitantemente. Cada um deles foi desenvolvido a fim de englobar o máximo de referências ao mundo virtual abordado pelos personagens. Portanto, os próprios esquetes não possuem valor.
Internet – O Filme não busca expandir seu público, mas apenas alimentar os fãs já existentes. Assim, a maior parte da obra dialoga apenas com aqueles que conhecem e acompanham esse microcosmos de webcelebridades. A grande parte das piadas é uma referência a um determinado canal, personalidade ou jargão, o que acaba por isolar os desconhecedores.
O humor do longa é vasto dentro do pequeno espaço a qual se limita. Youtubers vangloriando e xingando outros youtubers; adolescentes buscando a fama a qualquer custo; piadas sobre beijos, sexo, gordos, gays, peido; gatos e cachorros; nomes diferentes e de duplo sentido; muitos cortes no vídeo, selfies, haters, Turn Down For What, palavrões, arrogância etc. O problema, porém, reside mais na qualidade do que na quantidade. Uma parte significativa dessas “piadas” repete a má discussão feita nas nefastas áreas de comentários do YouTube e vários outros sites e redes sociais: o preconceito. Um dos críticos do politicamente correto, Rafinha Bastos, roteirista e “ator” do filme (interpreta uma versão de si mesmo, o Cesinha Passos), não deseja contribuir à exaustiva – porém necessária – discussão sobre os limites e formas de humor. Permeado de momentos ofensivos, os esquetes apresentados tentam anular a discriminação proferida através de reviravoltas nas situações em questão. Porém apenas corroboram ainda mais com a visão tacanha que um público geral possui sobre determinados temas e forma de comédia. O público que consome os canais de YouTube dos protagonistas da obra provavelmente não verá qualquer problema com as ofensas a grupos como os obesos, homossexuais e nerds. A resposta para qualquer comentário acerca dos insultos deve seguir a cartilha falaciosa do “é só um piada”, justificativa que Internet assimila e se aproveita para proferir comentários nocivos e desnecessários.
Outros problemas residem em alguns personagens. Quase todos são completamente descartáveis. Porém, Cesinha Passos – que tenta ser uma paródia de Rafinha – é o pior caso. O personagem se chafurda numa autopiedade insultante. Ele não passa de um perseguido pela sua fama, sem qualquer responsabilidade pelo que faz. Martiriza-se até mesmo quando tenta ser alguém melhor. A piada de Bastos não possui a ironia almejada, além de dar uma amostra de como Bastos percebe a si mesmo no contexto da opinião alheia online.
Há também uma incômoda mensagem de impunidade onde a busca pela fama permite qualquer ação por parte de alguns personagens. Porém, conseguindo ou não atingir o estrelato, cada ação passa impunemente diante os olhos do público. Tudo vale em nome da fama e não há qualquer consequência.
Os aspectos técnicos de Internet – O Filme ficam em segundo plano diante o objetivo da obra. A direção de Filippo Capuzzi Lapietra cria um bom momento cinematográfico, que é um plano sequência da abertura, simples, porém bem realizado, que situa o espectador com objetividade. Após esse momento, o que passa na tela são, basicamente, vários vídeos de YouTube. E quanto às atuações, não há muito o que dizer, pois não há atores ali. Todos são versões de si mesmo, fazendo o que fazem diariamente. Logo, a qualidade do trabalho está diretamente relacionada ao tipo de material que produzem em seus próprios canais.
Mas, diante isso tudo, a única pergunta que realmente importa aqui é: afinal, é engraçado ou não? Bem, não há uma resposta correta, já que temos em mãos um trabalho unicamente direcionado para um público bastante específico. Logo, a qualidade de Internet – O Filme se limita à questão da subjetividade da comédia. A resposta, então, é: isso é relativo. Depende unicamente do gosto do espectador e apreço pelas webcelebridades presentes.
Conclusão
Internet – O Filme não é um filme, mas uma série de esquetes unicamente direcionadas para quem acompanha os youtubers que o filme tanto promove. Sem uma narrativa definida, as piadas se acumulam aos montes, oriundas de situações irrelevantes, apresentando citações, easter eggs, cameos e homenagens para os fãs, enquanto alternam frivolidades de humor subjetivo e situações e comentários nocivos, desnecessários e que ignoram toda a discussão atual realizada na internet e fora dela. O resultado final parece mais interessado em criar um vídeo para seguir o algoritmo do YouTube e apenas gerar monetização. O longa estreia em 23 de fevereiro de 2017.
*Texto publicado originalmente no site “O SETE”, parceiro do BLAH CULTURAL
TRAILER:
FICHA TÉCNICA:
Direção: Filippo Capuzzi
Elenco: Rafinha Bastos, Christian Figueiredo, PC Siqueira, Mr. Catra
Distribuição: Downtown/Paris
Data de estreia: qui, 23/02/17
País: Brasil
Gênero: comédia
Ano de produção: 2016
Classificação: 14 anos