CRÍTICA | Tudo funciona na ousada obra-prima ‘La La Land: Cantando Estações’
Bruno Giacobbo
Alguns anos atrás, a Prefeitura do Rio iniciou uma campanha para transformar a cidade em um imenso set cinematográfico. O objetivo era atrair cineastas interessados em usar as belezas locais como cenário, aumentar a visibilidade internacional do município e atrair muito mais turistas. Determinados lugares não precisam deste tipo de campanha. O marketing ocorre de forma involuntária. Nova Iorque sempre serviu de cenário, e até mesmo de personagem, para as obras de Sidney Lumet ou Woody Allen. Quem nunca sonhou em patinar no ringue do Rockefeller Center, em um dia de Natal? Ou passear por uma Broadway iluminada, após assistir a uma peça? O encanto é imediato e natural. No entanto, existem cidades que costumam servir de palco para grandes histórias, mas não despertam paixões. Los Angeles é um bom exemplo deste caso. Perto do fascínio provocado pelo charme nova-iorquino, a imagem que muita gente tem dela é a de uma caótica selva de pedra, infestada de rodovias abarrotadas de carros que não andam devido ao engarrafamento. Tendo isto em mente, chega a ser engraçada a forma como o diretor e roteirista Damien Chazelle decidiu subverter a imagem da metrópole californiana logo no início do seu segundo longa-metragem, o musical La La Land: Cantando Estações (La La Land).
CRÍTICA #2 | ‘La La Land’ volta à Era de Ouro de Hollywood e empolga o espectador
CRÍTICA #3 | ‘La La Land: Cantando Estações’ encanta e deixa uma bela mensagem
A história começa com um plano-sequência de um elevado congestionado. É um dia de sol. Muitos motoristas estão de janelas abertas e parecem estar derretendo com o calor. O som dos rádios com notícias diversas, entre elas o resultado do último jogo de um time local, se mistura com o barulho das buzinas dos veículos. De repente, todas as pessoas saem de onde estão e começam a dançar e a cantar. A música é “Another Day of Sun” e a mensagem é clara: não importa o quanto você se decepcione, levante a cabeça e siga em frente, pois o sol raiará de novo. Com uma canção empolgante e inspiradora, uma coreografia bem ensaiada e um colorido estonteante, este inicio foi especialmente feito para fisgar o público pelo coração. E funciona. Com apenas cinco minutos de filme, eu já estava totalmente indefeso, estupefato. E é ao fim deste número musical, quando tudo volta ao seu ritmo normal e os carros a andarem, que os protagonistas, Sebastian (Ryan Gosling), um pianista que sonha em ter seu próprio clube de jazz, e Mia (Emma Stone), uma aspirante à atriz que trabalha em uma cafeteria dentro de um estúdio de cinema, se esbarram pela primeira vez e de um jeito nada romântico. A partir daí, eles se esbarrarão outras vezes até se conhecerem de verdade.
Sebastian e, principalmente, Mia são como Chazelle; já o filme é um claro tributo aos musicais clássicos das décadas de 50 e 60, sem ser exatamente igual ou considerado uma cópia. Os personagens principais são jovens e possuem sonhos. Eles querem vencer fazendo o que mais amam: interpretar e tocar. Não procuram o amor de outras pessoas, apesar de não estarem totalmente fechados a esta possibilidade. Assim como, um dia, o diretor de 31 anos abandonou a pequena Providence, em Rhode Island, para realizar o sonho, acalentado desde a infância, de ser diretor; a protagonista abandonou a minúscula Boulder City, no Colorado, para realizar o sonho, também acalentado desde a infância, de ser atriz. Logo, é fácil acreditar que a forma como ela enxerga a cidade de Los Angeles seja igual a forma como ele enxergava. Cada fracasso de Mia é um espelho de um fracasso anterior de Chazelle. Consequentemente, cabe a ela escrever sua história, como coube a ele no passado. E isto é possível, pois a imagem de uma caótica selva de pedra convive, diária e ruidosamente, com a imagem de cidade onde tudo pode acontecer por abrigar a “fábrica de sonhos”, como Hollywood é conhecida pelo mundo afora.
Quando digo que La La Land: Cantando Estações é um tributo aos musicais das décadas de 50 e 60, me baseio no fato desta não ser uma obra onde tudo é dito através das canções. Não é. Existem diálogos e falas bem distribuídas durante todo o longa. E não é somente isto. A maneira e a plasticidade com que os números de danças e cantorias foram coreografados igualmente remetem a estes filmes, em nada se parecendo, por exemplo, com “Os Miseráveis” (2012), de Tom Hooper, que fez sucesso seguindo o caminho oposto. Existe, ainda, outra semelhança com os clássicos: a química envolvendo Sebastian e Mia, evidente em passagens onde cantam juntos “City of Stars” ou “A Lovely Night”, remete a outros casais famosos, como os protagonistas de “Cantando na Chuva” (1952), de Stanley Donen e Gene Kelly, só que sem exagerar no romantismo, algo que costuma afastar uma parcela importante dos espectadores. Já as diferenças estão no realismo empregado durante todo o seu processo de feitura, nenhum pouco grandiloquente em relação aos cenários, e na melancolia do desfecho agridoce, que encontra eco em sentimento idêntico no final de “O Show deve Continuar” (1979), do genial Bob Fosse, ainda que motivada por uma razão distinta.
Muitos atores foram utilizados, 198 para ser preciso, porém, personagens de fato, a ponto de sabermos os seus respectivos nomes, são basicamente cinco. Uma vez que três deles tem pequenas participações, todos os holofotes estão voltados, inteiramente, para Ryan Gosling e Emma Stone. E devo dizer que eles passaram na prova com louvor. A química da dupla, citada lá em cima, não nasceu agora. Esta é a terceira vez que contracenam juntos. Desta forma, nenhum dos dois poderia ter desejado um parceiro melhor. Entretanto, há diferenças pontuais no trabalho de composição feito por cada um deles. Gosling investiu pesado no aspecto corporal. Canta, dança, sapateia e toca piano com uma desenvoltura surpreendente. Não chega a ser um típico ator de vaudeville, mas não faria feio se tivesse sido contemporâneo de James Cagney. Por outro lado, Stone trabalhou muito mais o aspecto dramático, já que interpreta uma aspirante à atriz. Os seguidos testes para a composição de elenco de longas fictícios são mostrados e ela oscila entre a determinação e a insegurança de quem deseja uma oportunidade de mostrar o seu talento. O ápice destas sequências acontece quando ela entoa “The Fools Who Dream”, durante uma audição. Um desempenho arrebatador, emocionante e apaixonante.
Absolutamente tudo funciona a mil maravilhas em La La Land: Cantando Estações, sob a regência do novo menino prodígio de Hollywood. Bastante jovem, o cineasta sapateia com a calma de um veterano rumo à consagração. Em 2014, ele viu o seu eletrizante “Whiplash: Em Busca da Perfeição” receber cinco indicações ao Oscar e conquistar três prêmios. Agora, após estabelecer o recorde de sete Globos de Ouro, vislumbra um futuro com o colorido estonteante de sua obra-prima. Em categorias como trilha sonora e canção original, ambas a cargo de Justin Hurwitz, as vitórias são líquidas e certeiras. Em outras tipo filme, direção, roteiro original, fotografia e montagem (que reserva o seu melhor momento para o fim, em uma sequência capaz de nos deixar em dúvida em relação ao que está acontecendo), no instante que escrevo esta crítica, é o favorito. Isto sem falar que não será nenhum absurdo se Emma Stone também vencer. Contudo, o maior mérito de Damien Chazelle está na ousadia de ter apostado em um musical, gênero que já foi dado como morto e não ganha a estatueta principal desde 2003, para ser o seu segundo filme. Ele apostou alto e tirou a sorte grande. Só mesmo em Los Angeles e na “fabrica de sonhos”.
Desliguem os celulares e excelente diversão.
TRAILER:
FICHA TÉCNICA:
Título original: La la Land
Direção: Damien Chazelle
Roteiro: Damien Chazelle
Elenco: Emma Stone, Ryan Gosling
Distribuição: Paris
Data de estreia: qui, 19/01/17
País: Estados Unidos
Gênero: romance
Ano de produção: 2016
Classificação: livre