CRÍTICA #1 | ‘Mãe Só Há Uma’ é um drama, mas faz rir e é repleto de ternura
Bruno Giacobbo
Definitivamente, a cineasta Anna Muylaert está na crista da onda. Ano passado, viu “Que Horas Ela Volta?” rodar o mundo e receber aplausos. Suas protagonistas, Regina Casé e Camila Márdila, levaram, em conjunto, o prêmio de atriz no Festival de Sundance. Além disto, o filme foi o candidato do Brasil ao Oscar deste ano. Há algumas semanas, a diretora foi convidada a participar da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas (AMPAS, na sigla em inglês), entidade responsável pela organização do Academy Awards. Para coroar este excelente momento profissional, só falta uma coisa: seu próximo longa-metragem, o drama com generosas pitadas de comédia, Mãe Só Há Uma, ser tão bem recebido por público e crítica como aconteceu com o anterior. E, sinceramente, a julgar pela reação dos críticos que compareceram à cabine de imprensa realizada no Rio de Janeiro, existem grandes chances disto acontecer, pelo menos, em relação à imprensa.
CRÍTICA #2 | ‘Mãe Só Há Uma’ levanta reflexões sobre a família e cutuca os valores tradicionais
Desta vez, o personagem principal é Pierre, um típico adolescente paulistano vivido por Naomi Nero, sobrinho do global Alexandre Nero. Ele mora em uma casa humilde com a mãe Aracy (Daniela Nefussi) e a irmã Jaqueline (Laís Dias). Fora ir ao colégio e dormir em sala de aula por causa das festas que frequenta até tarde, sua atividade favorita é tocar em uma banda de rock com os amigos. Quem não conhece alguém com estes hábitos? No entanto, como o público descobrirá logo no início, ele guarda um segredo que, muito provavelmente, não será aprovado pela tradicional família brasileira. Contudo, esta descoberta é insignificante e não deve, nem de longe, tirar o sono dos espectadores. A revelação que importa é a seguinte: Pierre, na verdade, chama-se Felipe e, ainda pequeno, foi roubado da maternidade onde nasceu pela mãe, que agora sabemos ser adotiva. Esta descoberta, sim, virará tudo de cabeça para baixo.
A história não é nova e nem original, os noticiários estão repletos de casos como este e um específico, o rapto do menino Pedrinho, em janeiro de 1986, na cidade de Brasília, serviu de inspiração para a novela “Senhora do Destino” (2004/05), de Aguinaldo Silva. A cineasta deve ter se inspirado no mesmo crime, já que seus desdobramentos rocambolescos, na época, mais pareciam saídos dos anais da ficção. Entretanto, novelas e filmes não são produtos parecidos. Apesar de ser tudo dramaturgia, ambos possuem características próprias. Muylaert sabe disto, como sabe, também, que filmes precisam ser diferentes para que conservem sempre o viço característico das coisas inovadoras. Desta forma, ao lançar duas obras com um intervalo inferior a um ano (27 de agosto de 2015 e 21 de julho de 2016), algo extremamente raro para um realizador brasileiro, este desafio lhe foi imposto.
Já que citei a tradicional família brasileira, “Que Horas Ela Volta?” (2015) pode ser considerado um filme do gênero. Seu formato é hermético e convencional. Trata-se de uma de obra feita para o grande público. Não há nada ali que choque ou afronte os valores tradicionais. Muito pelo contrário. A patriarcal discussão em relação ao papel da empregada que, dependendo da conveniência, é tratada como parente ou serviçal, é antiga. Quase do tempo de “Casa-Grande e Senzala”. Mesmo a chegada da filha, oriunda do sertão para estudar na cidade, pouco altera isto. Mãe Só Há Uma vai por outro caminho. Seus temas são mais chocantes ou, dependendo do caso, pulsantes. Não fala apenas sobre o roubo de uma criança. Sua trama versa sobre adequação e aceitação em uma sociedade em transformação: o adolescente que precisa se adequar ao novo lar; os pais que devem aceitar o filho que foi criado de uma forma diferente e duas visões de mundo distintas que se chocam.
Para marcar bem estas diferenças, além do ótimo roteiro que nos apresenta a história de forma fluida, a diretora lançou mão de alguns estratagemas interessantes. Por diversas vezes, por exemplo, a câmera é bastante invasiva. Do pote de margarina no café da manhã, ao rolar de uma bola de boliche até a canaleta, há uma invasão de privacidade que tem o objetivo de desnudar e revelar a intimidade dos personagens. A escolha do elenco também foi outro artifício usado pela realizadora. No papel do machão pai biológico, Matheus Nachtergaele dá vida a uma persona diferente de tudo o que ele já interpretou. Mas, genial mesmo foi a escolha de Daniela Nefussi para viver tanto Aracy como Glória, a mãe biológica. A versatilidade da atriz, mais a maquiagem e o vestuário, tornaram-na quase irreconhecível em cena. O resultado desta escolha acabou sendo uma brincadeira inteligente tanto com o nome do filme quanto com o sentimento de que mãe é quem cria.
Mãe Só Há Uma é um drama. E como tal, vai, com certeza, comover muita gente. Contudo, consegue ser absurdamente engraçado em outros momentos. Duas destas cenas de riso, uma numa loja e outra num inusitado sofá, estão entre as melhores de 2016. É um filme repleto de ternura também. O vínculo que, aos poucos, vai se formando entre Pierre (ou Felipe) e seu irmão de sangue, Joca (Daniel Botelho), por sinal, um dos melhores personagens do longa-metragem, tem um desfecho lindo. De resto, para quem reclama da baixíssima participação de mulheres na produção cinematográfica nacional, fica a alegria de que Anna Muylaert e Juliana Rojas (Sinfonia da Necrópole) dirigiram dois dos melhores filmes deste ano.
Desliguem seus celulares e excelente diversão.
TRAILER:
FICHA TÉCNICA:
Distribuição: Vitrine Filmes