CRÍTICA | Esqueça qualquer ideia pré-concebida para assistir ‘Memórias Secretas’

Bruno Giacobbo

Existe uma ideia pré-concebida de que todos os filmes que falam sobre o Holocausto precisam ter um pedido implícito, quando não explícito mesmo, de desculpas pelo ocorrido. Muitas películas foram feitas seguindo este script. Vencedor de sete Oscars, incluindo melhor filme, “A Lista de Schindler'” (1993) é um marco, no tema, ao mostrar que alguns alemães ficaram contra o massacre na época. No entanto, esta não é uma regra estrita. Cineastas com visões diferentes podem, perfeitamente, enveredar por caminhos distintos. Logo, nem toda obra que aborde assunto tão sinistro precisa adotar um tom altruísta ou magnânimo. Quando submetidas a um evento traumático, pessoas diferentes podem ter reações completamente distintas. Algumas buscarão o caminho do perdão; outras o da vingança. Ter em mente, de forma clara, esta situação pode influenciar o jeito como o púbico vê determinados filmes e evitar decepções.

Memórias Secretas, novo longa-metragem do cineasta egípcio naturalizado canadense, Atom Egoyan, narra a história de dois sobreviventes de Auschwitz, Max (Martin Landau) e Zev (Christopher Plummer), que, após tantos traumas, conseguiriam reconstruir suas vidas, nos Estados Unidos. Hoje, eles vivem em uma casa de repouso. Perto dos 90 anos, à espreita da morte, os amigos têm pouquíssimas preocupações. Na verdade, apenas uma: se vingar do responsável pela morte de suas respectivas famílias, no campo de concentração, um carrasco nazista que também estaria vivendo na América. A senha para que Max ponha em prática o plano de ir atrás do assassino é o recente falecimento da esposa de Zev. Como o primeiro vive em uma cadeira de rodas e não tem liberdade de locomoção, caberá ao segundo fugir do asilo e executar a tão sonhada vingança.

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O início é morno, mas compreensível, pois Egoyan gasta um tempo para apresentar a trama. Entretanto, aos poucos, a história ganha força, cresce e se transforma em um thriller interessante. Não leva muito para percebermos que este filme não segue aquela regra nada estrita de pedido de perdão e remissão dos pecados. O objeto de interesse do cineasta são os demônios interiores dos protagonistas, alimentados anos a fio por uma mágoa incrustada na alma e que só podem ser saciados pela morte de seu criador. Orientando de longe os passos do amigo, Max parece tranquilo e talvez esteja, resignado pelo fato de não poder fazer nada com as próprias mãos. Assim, a materialização destes demônios se dá através de Zev, em uma atuação visceral do veterano Christopher Plummer. Em cena, ele chega a cambalear, a hesitar, mas, enfim, consegue manter o foco e ir em frente. Ao lado do coadjuvante Dean Norris, mais conhecido por seu papel em “Breaking Bad”, ele tem seus melhores momentos.

Ainda que seja condescendente com o personagem de Plummer, contendo algumas soluções fáceis para situações vividas por Zev, a forma como ele se desvencilha da fiscalização e entra no Canadá é uma delas, o roteiro tem méritos. O principal deles é amarrar bem a trama, segurar a atenção do público até o final e nos surpreender. Sim, um desfecho impactante é guardado a sete chaves. Memórias Secretas pode não ser tão interessante em uma segunda olhada. “Os Suspeitos” (1995), de Bryan Singer, por exemplo, sofre deste mal. Só que isto acaba sendo algo inevitável em filmes como este e não chega a se configurar um grande problema. Problemático, em determinados instantes, é o uso do som, de forma bem clichê, para criar tensão. Contudo, superados estes probleminhas e tendo em vista que, além das qualidades já citadas, fotografia e direção de arte, em uma relação simbiótica, nos ajudam a mergulhar no clima da história, o melhor é esquecer qualquer ideia pré-concebida e se deixar levar por mais um thriller bastante competente em suas ambições.

Desliguem os celulares e ótima diversão.

FICHA TÉCNICA:

Título original: Remember

Gênero: Suspense
Direção: Atom Egoyan
Roteiro: Benjamin August
Elenco: Brendan Gall, Bruno Ganz, Christopher Plummer, Daniel Kash, Dean Norris, Duane Murray, Henry Czerny, James Cade, Janet Porter, Jean Christophe Loustau, Juan Carlos Velis, Jürgen Prochnow, Kim Roberts, Martin Landau, Natalie Krill, Peter DaCunha, Sofia Wells, Stefani Kimber, Sugith Varughese, T.J. McGibbon
Produção: Ari Lantos, Robert Lantos
Fotografia: Paul Sarossy
Montador: Christopher Donaldson
Trilha Sonora: Mychael Danna
Duração: 94 min.
Ano: 2015
País: Canadá
Cor: Colorido
Estreia: 12/05/2016 (Brasil)
Distribuidora: Diamond Films
Estúdio: Egoli Tossell Film / Serendipity Point Films
Classificação: 14 anos

Bruno Giacobbo

Um dos últimos românticos, vivo à procura de um lugar chamado Notting Hill, mas começo a desconfiar que ele só existe mesmo nos filmes e na imaginação dos grandes roteiristas. Acredito que o cinema brasileiro é o melhor do mundo e defendo que a Boca do Lixo foi a nossa Nova Hollywood. Apesar das agruras da vida, sou feliz como um italiano quando sabe que terá amor e vinho.
NAN