CRÍTICA | Sem norte, ‘Não Me Toque’ é, fácil, um dos piores ganhadores do Urso de Ouro
Bruno Giacobbo
O filme começa com uma cena em que uma câmera de vídeo é montada, peça por peça. O cenário, aparentemente um estúdio, é branco e bastante clean. Com a montagem do aparato eletrônico, se materializa o rosto de uma mulher jovem. É a diretora romena Adina Pintilie. É ela que conduzirá a gravação, na verdade, uma entrevista. Do outro lado, está a experiente atriz Laura Benson. Corte rápido e seco. Laura aparece em um quarto. Da casa dela, talvez. Junto dela um homem que, aos poucos, vai se despindo. Ele toma banho e vai para a cama (ou o contrário, não sei, a ordem não importa). No leito, ele se masturba para o deleite dela. Nada acontece. Não sexo oral, nem o coito propriamente dito. Não dá para saber, logo de cara, quem ele é. Apenas mais tarde fica claro que é um garoto de programa.
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Neste mise en scene, o que é verdade e o que é ficção? Ganhador do Urso de Ouro do Festival de Berlim 2018, Não Me Toque (Touch Me Not) é uma mistura de documentário e drama. Adina é Adina e Laura é Laura. A questão é: “O que elas narram ali é verdadeiro ou tudo não passa de uma grande encenação?”. Com o correr da trama, vamos descobrindo que a protagonista tem dificuldades para aceitar seu corpo como ele é. Por conta deste problema, ela não consegue chegar as vias de fato na hora de transar. E é por este motivo que nada acontece entra ela e o garoto. Gradativamente, outros personagens são introduzidos. Tómas é o também ator Tómas Lemarquis, conhecido por trabalhos como “Blade Runner 2049” (2017). Contudo, Christian e Grit são não-atores. Ilustres desconhecidos.
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Estes personagens são vistos, inicialmente, em um grande hospital, tão branco e tão clean quanto o cenário da primeira tomada. Lá, eles participam de uma espécie de terapia de grupo. Sentados no chão, formando duplas, sob a orientação de um homem, eles tocam no rosto, nos braços ou onde for de seus parceiros. Em seguida, questionados sobre o que sentiram, fazem pequenos relatos. Diferentemente de Laura, que apenas tem dificuldade em aceitar seu corpo, alguns ali possuem problemas visíveis. Christian, por exemplo, foi vítima de alguma má formação genética e tem os braços e as pernas atrofiados. Ainda assim, contra a expectativa da maioria das pessoas, parece ser feliz do jeito que é. Quando lhe perguntam qual é a parte do seu corpo que mais gosta, ele facilmente enumera algumas.
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O grande problema do filme de Adina Pintilie é que ele não tem um norte. A mistura de ficção e documentário é bastante comum; e bem delineada rende maravilhas, vide o iraniano “3 Faces” (2018), de Jafar Panahi, exibido no mesmo Festival do Rio que o longa romeno. A utilização de não atores nos lugares de Laura e Tomas talvez tivesse tornado o propósito da cineasta mais claro. Não dá para crer muito nos relatos da dupla, principalmente quando contrapostos aos demais depoimentos. Além disto, com um roteiro dotado de uma narrativa frágil, Não Me Toque torna-se extremamente apelativo ao investir em cenas aleatórias de sexo como, por exemplo, uma ‘animadíssima’ suruba sadomasoquista. Ao término de tudo, estupefato, levantei e conclui que nunca o Urso de Ouro esteve em mãos tão equivocadas.
Desliguem os celulares.