CRÍTICA | ‘Nasce Uma Estrela’ mostra que remakes também podem ser obras-primas
Bruno Giacobbo
Existe a necessidade de se filmar quatro vezes uma mesma história? A grosso modo, a resposta seria não. Para quê? Será que os cineastas e roteiristas criativos estão em falta em Hollywood? Assim como eu, tenho certeza, muita gente se fez estas mesmíssimas perguntas quando soube que Nasce Uma Estrela (A Star Is Born), trama concebida e lançada pelo pioneiro do Oscar, William A. Wellman, no distante ano de 1937, ganharia uma nova versão pelas mãos do diretor estreante Bradley Cooper e com a diva Lady Gaga de protagonista. Acontece que, desde a divulgação das primeiras imagens, passando pelos teasers e trailers que foram pipocando aqui e ali, aos pouquinhos, fui mudando de opinião. O problema não está em refilmar e, sim, na maneira como você o faz. O próprio longa-metragem não demora a responder estas perguntas com uma ideia que será repetida algumas vezes no curso do filme: “Não basta ter talento, isto, todos têm. É preciso ter o que dizer”.
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O esqueleto da história não mudou nada ao longo de 80 anos: um astro alcoólatra conhece uma aspirante à estrela. Os dois se apaixonam e ele alavanca a carreira dela abrindo portas que, normalmente, ficariam fechadas por bem mais tempo. Se nos filmes de 1937 e 1954, estrelados pelas duplas Fredric March/Janet Gaynor e James Mason/Judy Garland, todos são atores; aqui, assim como na película de 1976, protagonizada por Kris Kristofferson e Barbra Streisand, eles são músicos. O encontro entre Jackson Maine (Bradley Cooper) e Ally (Lady Gaga) se dá em um bar de drag queens. Após terminar um show, Jack pede que seu motorista o leve a algum local para beber. Sem saber aonde está indo, o cantor se depara com um lugar diferente dos quais está acostumado, mas logo se sente confortável. No entanto, ainda faltava alguma coisa para ele se sentir totalmente à vontade.
É neste exato momento que surge uma voluptuosa Ally cantando “La vie en rose” de uma forma que, muito provavelmente, arrancaria aplausos entusiasmados de Édith Piaf. Ou seja: de diva para diva. Após seduzir toda a plateia (literalmente, reparem em um velhinho que está perto do palco) ela desfila por todo o bar, como uma serpente portando o fruto do pecado, até encerrar sua arrebatadora interpretação frente a frente com Jack. Por mais que ela já tivesse capturado a atenção dele, é somente neste instante que seus olhos se cruzam e não se desgrudam mais. Dá para antever o que virá pela frente, mesmo que alguém não conheça a história por trás desta trama: atração, encantamento, paixão e amor. E esta é somente a primeira de muitas tomadas belíssimas, captadas com enorme desvelo pelas lentes do fotógrafo Matthew Libatique, que se sucederão na telona antes que os créditos subam.
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Quando escrevi, lá em cima, que o próprio filme responde à pergunta sobre se havia um motivo para uma quarta versão desta história, já dava para imaginar que Bradley Cooper, em um debut que encontra paralelo em Mel Gibson e no seu “Coração Valente” (1995), não se contentaria em copiar takes ou repetir fórmulas. É claro que existem muitos momentos bastante parecidos, principalmente, com a obra de 1976. Não tinha como ser diferente. Entretanto, com o decorrer do tempo, é possível perceber que o mise-en-scène engendrado pelo novo cineasta da praça, que joga nas onze, atuando como produtor, protagonista, corroteirista e um dos compositores, é repleto de viço. Em suma: ele tinha muito o que dizer e o disse como propriedade. Isto fica claro, por exemplo, em algumas decisões extremamente felizes como a de criar um background familiar que ajuda a explicar uma boa parte dos problemas vividos por Jack. Sem dúvida alguma, este é o protagonista mais tridimensional de todos os quatro longas.
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Uma das coisas mais bonitas que vocês assistirão este ano, nos cinemas, é a química entre Cooper e Gaga, em Nasce Uma Estrela. Desde a primeira tomada, passando pelas cenas de amor e pelos duetos nos shows, eles demonstram uma química carnal e espiritual. É uma relação de amor e dor; alegria e tristeza; algo que invejamos e tememos: queremos o melhor e rejeitamos o pior daquilo que vemos desabrochar com a mesmíssima intensidade que os protagonistas se olharam pela primeira vez. Uma cena, em especial, me fez chorar: a que eles cantam “Shallow”, música que já pinta como favorita ao Oscar 2019. Ao meu redor, críticos experientes choraram em momentos distintos. Ninguém conseguiu se manter indiferente. É impossível. Assim como é impossível não pensar que Bradley, o diretor, extraiu o melhor de Bradley, o ator, e de Lady, a cantora, como atriz. Eles são o acorde mais belo, doloroso e melodioso de um filme que já nasceu obra-prima por ter o que dizer e dizê-lo com perfeição.
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::: TRAILER
::: FICHA TÉCNICA
Título original: A Star is Born
Direção: Bradley Cooper
Elenco: Lady Gaga, Bradley Cooper, Andrew Dice Clay
Distribuição: Warner
Data de estreia: qui, 11/10/18
País: Estados Unidos
Gênero: musical
Ano de produção: 2018
Classificação: 16 anos