CRÍTICA | ‘No Coração do Mundo’
Alvaro Tallarico
No rancho fundo, no Coração do Mundo, nunca mais houve alegria, nem de noite, nem de dia
Boa noite, Laguna. Bem-vindo ao Texas, Brasil. Um país constrangedoramente divertido e trágico, como alguns momentos de No Coração do Mundo.
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A trama
Os meandros da periferia de Minas Gerais, mais especificamente Contagem, estão presentes, as gírias usadas, a forma de falar, de ser. Essa é uma das grandes virtudes da película, o sotaque mineiro.
A cidade, que fica na região metropolitana de Belo Horizonte, especialmente os bairros Laguna e Milanez onde, inclusive, os diretores Gabriel e MaurIlio Martins foram criados. É um personagem fundamental do longa, dotada de uma vivência específica, uma geografia diferenciada e única, da mesma forma que parece com tantos outros locais periféricos dos centros urbanos brasileiros. Acompanhamos, acima de tudo, as escolhas que se apresentam para aquelas pessoas que ali estão. O trabalho, suor rotineiro, que parece uma roda sem fim.
Marcos (Leo Pyrata, em boa atuação) é um sujeito tralha. Não dá para torcer por esse cara. Ainda por cima namora uma mulher bonita, Ana (Kelly Crifer, bem), muito trabalhadora e romântica, trocadora de ônibus, que cuida do pai. Ambos tinham aparecido em um curta-metragem chamado “Contagem”.
Graça e reflexão
O longa-metragem conta ainda com a carismática presença da MC Carol, de Niterói, como Brenda, responsável por bons momentos. Grace Passô vive Selma, uma das personagens centrais, que já passou por fortes decepções e trapaças do destino. Contudo, essas questões são justificativas para suas ações?
A história é mais um retrato de um dos nossos muito Brasis. A realidade da “correria”. No sentido de trabalhar muito e honestamente, e no sentido mais triste da palavra, como gíria para cometer um crime.
No Coração do Mundo faz rir um pouco – e pensar um pouco mais.
Todas as pessoas mais jovens da história estão sonhando com uma vida melhor. Por outro lado, parece que os mais velhos desistiram. As mulheres, em geral, estão dispostas e preparadas para o trabalho honesto, enquanto os homens são, em sua maior parte, preguiçosos buscando atalhos criminosos.
Vemos um pouco mais de perto a vida de seis ou sete moradores da área, o que é fascinante e deprimente ao mesmo tempo. Tecnicamente, o filme é bem-feito. Saltamos de uma vida para outra seguindo uma linha geral clara que segue num crescente, com um clímax extremamente tenso.
Interpretações naturalistas
As interpretações são naturalistas e as relações familiares e cotidianas, peças motoras do delineamento proposto.
É engraçado de um jeito meio triste, pois sabemos que esse país não precisava ser desse jeito, ao mesmo tempo que vamos conhecendo os personagens e torcendo para que façam melhores escolhas em suas vidas. O que faz alguns irem por aqui, e outros por ali?
Choque de realidade
Enfim, a tentação do mal sempre ronda. Na janela lateral do ônibus, a sensação de estar ficando para trás abre as portas para o desespero. A batalha na periferia, o trabalho honesto contra a vacilação. A luta constante contra a “facilidade” da bandidagem.
Em certo momento, um vagabundo comenta sobre esse negócio de trabalhar todo dia, ganhar esporro do patrão, enquanto o trabalhador honesto retruca dizendo que ao menos pode dormir com os dois olhos fechados. E Deus? Deus protege bandido? O meliante é uma vítima da sociedade, produto do meio, ou tem opções?
No Coração do Mundo é um filme interessante e bem produzido, onde é difícil sair com um sorriso. Certamente, o objetivo não é esse. É para ser, sobretudo, um choque de realidade.
::: TRAILER
::: FICHA TÉCNICA
Título original: No Coração do Mundo
Direção: Gabriel Martins, Maurilio Martins
Elenco: Kelly Crifer, Leo Pyrata, Grace Passô
Distribuição: Embaúba Filmes
Data de estreia: qui, 01/08/19
País: Brasil
Gênero: drama
Ano de produção: 2018
Classificação: 16 anos