CRÍTICA | ‘O Caseiro’ é terror brasileiro que merece ser assistido
Bruno Giacobbo
Lugares comuns, verdades imutáveis e certezas inabaláveis existem para serem contestados e desmistificados. Se vocês observarem, estes dogmas estão em todos os lugares do nosso cotidiano: “Todo político é ladrão”, “mulher não entende de futebol” e por aí vai. No cinema nacional não é diferente. Há uma máxima difundida, com muita má vontade, por aqueles que insistem em ignorar a existência cada vez maior dos inúmeros e criativos realizadores espalhados pelo país: “Não existe cinema de gênero no Brasil. O único gênero que se produz por aqui é a comédia”. Ao afirmar isto, o propagador de tal inverdade ignora, solenemente, obras como “Central do Brasil” (1998), “Cidade de Deus” (2002), “Trabalhar Cansa” (2011), “A História da Eternidade” (2014) e “Sinfonia da Necrópole” (2015). Logo, para mudar este raciocínio, além de insistir na produção de filmes diversos, com histórias completamente distintas, é preciso divulgá-los para fazer que sejam vistos pelo grande público. E o terror tupiniquim, O Caseiro, segundo longa-metragem de Júlio Santi, é uma destas produções que merecem ser vistas.
A trama é a seguinte: uma família, que vive em uma fazenda no interior de São Paulo, acredita que está sendo assombrada pelo espírito de um antigo caseiro da propriedade, que, 45 anos atrás, se matou ali. As evidências, as visões que a filha caçula, Julia (Bianca Batista), diz ter e os misteriosos machucados que ela sofre sempre à noite, são tão fortes, que até o pai, Rubens (Leopoldo Pacheco), um cético, passou a crer no fantasma. Aflita, Renata (Malu Rodrigues), a primogênita do clã, decide pedir a ajuda de Davi (Bruno Garcia), professor da universidade onde estuda. Especialista em psicologia do sobrenatural, ele é tão crédulo quanto Rubens era e sempre busca uma explicação humana para toda e qualquer história de fantasma que caia em suas mãos. Assim, ele aceita passar alguns dias com a família para testar uma teoria que explicaria o que está acontecendo. No entanto, ao chegar lá, ele vai se deparar com fatos que abalarão sua fé na ciência e convicções.
Com pitadas de “O Amigo Oculto” (2004), estrelado por Robert De Niro e Dakota Fanning, e “O Sexto Sentido” (1999), de M. Night Shyamalan, o filme de Santi é uma produção independente que soube se virar e fazer uma obra carregada de tensão, que dá bons sustos, mesmo sem usar e abusar de efeitos especiais devido à restrição orçamentária. Para isto, a solução foi utilizar, com competência, outros recursos bem mais baratos e dependentes do engenho humano. O primeiro é o roteiro escrito pelo próprio diretor. Em que pese uma revelação óbvia e desnecessária envolvendo Davi (o não dito, muitas vezes, surte mais efeito do que aquilo que é dito com todas as letras), lá pelo meio da película, o texto é repleto de reviravoltas e consegue sustentar o mistério até o final. Quando a revelação definitiva se principiar, muitos espectadores terão aquele insight de que já estava tudo ali. Era só juntar as peças do quebra-cabeça. Contudo, este não foi o único recurso usado.
Naquilo que, no meio acadêmico, chamamos de trabalho multidisciplinar, fotografia, direção de arte, figurino e trilha sonora atuam em fina sintonia com o objetivo de tornar o filme um sucesso, sem que nenhum destes aspectos roube o protagonismo do outro. Diretor de fotografia de obras como “Lisbela e o Prisioneiro” (2003) e “Salve Geral” (2009), o alemão Ulrich Burtin dosou a luz na medida certa, não gerando tomadas escuras demais e criando o clima perfeito para que a tensão fosse, em seguida, acentuada pela trilha sonora, esta, ao contrário de outros filmes, nada invasiva. Já arte e figurinos se fazem notar em particularidades como uma construção específica da fazenda, onde o tempo parece não ter passado; ou nas roupas de personagens que, também, parecem deslocados temporalmente.
O Caseiro conta ainda com um elenco homogêneo, em que ninguém destoa. Bruno Garcia passa segurança como o especialista chamado para resolver o mistério. É curioso vê-lo em um papel nada engraçado, diferente, por exemplo, de seu personagem em “Uma Loucura de Mulher”, que está em cartaz neste momentâneo. Por sua vez, Leopoldo Pacheco está, em cena, angustiado como um pai deveria estar em tal situação. Contudo, o maior destaque vai mesmo para as atrizes mirins Bianca Batista e Annalara Prates. Quando jovens intérpretes se destacam, quase sempre, se entabula uma discussão sobre o quão natural eles foram ou se ali há um talento latente. Só o tempo dirá, mas, aqui, as duas meninas estão excelentes, memoráveis e assustadoras como este filme em todo o seu conjunto.
Desliguem os celulares e ótima diversão.
FICHA TÉCNICA