CRÍTICA | Narrativa de ‘O Lamento’ ultrapassa o filme de terror óbvio

Tatiana Reuter

Um chefe de polícia precisa desvendar uma série de assassinatos que acometem a pequena cidade onde vive. A principal suspeita recai em um japonês que chegou há pouco tempo na cidade, um senhor que o xamã local acredita ser um fantasma, um espírito ruim dominando um corpo sem vida. Um dia, o chefe de polícia descobre estranhos comportamentos que via nas vítimas antes de suas mortes em sua própria filha. Esta é a sinopse do novo e conturbado filme de terror coreano, O Lamento (The Wailing / Goksung).

Com duas horas e meia de duração, seremos levados por uma sequencia de crimes obscuros e o tema da possessão, uma constante dos filmes do gênero. As atuações corroboram o que conhecemos sobre o cinema coreano, os exageros e trejeitos das encenações nos deixam entre uma comédia pastelão e a crescente tensão e desespero do protagonista, com características quase inverossímeis. O roteiro investe numa trama com desdobramentos após desdobramentos, mas, em algum momento, fica claro o resultado. Ainda assim, a sequência final nos ganha.

Terceiro longa de Hong-Jin Na, com 15 prêmios no currículo tendo O Lamento levado seis, o diretor sabe manter o ritmo e a tensão do filme, ainda que este pudesse ter talvez vinte minutos de redução. A trama por vezes se repete e em seu redemoinho não chegamos a nos perder, mas voltamos ao mesmo ponto em alguns momentos, sem necessidade.

Entretanto, o longa não se encerra no terror de possessão. O próprio termo ganha outras conotações quando relacionamos seus simbolismos. A chegada de um japonês idoso à cidade que já foi acusado de estuprar uma mulher sul-coreana é uma referência óbvia à Segunda Guerra Mundial. Naquela época, quando o Japão dominava o país, estabeleceu a criação de bordéis para seus soldados, vitimando as mulheres sul-coreanas, então chamadas de consolos, literalmente. Até hoje o Japão não assume esse grande feito, apesar de reconhecido internacionalmente. Não apenas isso, mas a dominação japonesa no território coreano ainda hoje gera outros desgastes, já que a potência nipônica acredita ter autoridade para nomear o mar entre as duas nações – Mar do Japão – e tomar para si as ilhas Dokdo, hoje propriedade coreana. O filme dá conta dessas insinuações muito bem e até agressivamente, alimentando a má impressão que aquele país tem do outro que o dominou e torturou.

A riqueza de O Lamento está, de fato, nas múltiplas interpretações de sua narrativa, que ultrapassa o filme de terror óbvio. Talvez nos incomodemos com as performances dos atores, mas é uma diferença cultural, tal qual a nossa percepção sobre a estrutura e estilo dos longas sul-coreanos. Merecedor de seus prêmios, poderia ser menor, mas não deixa de ser uma boa produção para quem é fã do gênero.

TRAILER:

FICHA TÉCNICA:

Título original: The Wailing / Goksung
Direção: Na Hong-jin
Elenco: Kwak Do-Won, Hwang Jeong-min, Chun Woo-hee
Distribuição: California Filmes
Data de estreia: qui, 22/12/16
País: Coreia do Sul
Gênero: suspense
Ano de produção: 2016
Duração: 156 minutos
Classificação: a definir

Tatiana Reuter

Baiana residente no Rio. Produtora na tv, cineasta por formação. Vivo a base de vinho, pimenta e café forte. Escrevo no extraforte.blogspot.com e sou pós-graduada em Cinema Documentário. Programo o ano entre feriados e viagens e trafego entre Beatles e Gonzagão, fotos e livros.
NAN