CRÍTICA | Emocionante, ‘O Primeiro Homem’ retrata a silenciosa jornada pessoal de Neil Armstrong

Bruno Giacobbo

Ao pisar na lua, no dia 20 de julho de 1969, o astronauta Neil Armstrong proferiu: “Este é um pequeno passo para o homem e um grande salto para a humanidade”. Com esta frase e com os primeiros passos dados em solo lunar, encerrava-se uma jornada de desbravamento. Esta não foi a primeira vez que a humanidade avançou rumo ao desconhecido. Cinco séculos antes, quando os europeus decidiram acreditar que a Terra não era plana e navegar por mar aberto, o desafio foi tão complexo quanto explorar o espaço sideral. Os homens envolvidos tinham pouca noção do que encontrariam pela frente e as chances de voltarem sãos e salvos eram medianas. Em comum entre estas empreitadas, o desejo de desbravar, de estabelecer novas fronteiras e adquirir conhecimento sobre tudo aquilo que nos cerca. Está no nosso DNA esta obsessão por grandes jornadas e por testarmos todos os nossos limites. Nós sabemos que somos senhores do nosso destino e é isto que nos diferencia dos animais.

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Quarto longa-metragem do menino prodígio Damien Chazelle, O Primeiro Homem (First Man) poderia ser a história desta jornada concluída com a frase famosa e os primeiros passos na lua, mas não é. Adaptação do best-seller “O Primeiro Homem: A Vida de Neil Armstrong”, de James R. Hansen, ele é, na verdade, sobre uma jornada pessoal. Interpretado por Ryan Gosling, Neil é um cara de pouquíssimas palavras, temperamento contido e extremamente determinado no que faz. A primeira imagem que temos dele é tendo sérios problemas no teste do X-15, um avião concebido para voar na estratosfera terrestre. Corta a cena e o vemos em casa, na companhia da esposa Janet (Claire Foy) e de seus dois filhos. Não leva muito tempo para descobrirmos que a menina, Karen, está gravemente doente: ela tem um câncer. Nestes dois momentos, apesar das dificuldades pelas quais está passando, o dublê de pai e piloto permanece impassível. Não somos capazes de perceber um leve traço de desespero.

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O pior acontece e Karen falece. Neil tem duas opções: ficar em casa com a esposa enlutado ou voltar para o batente. Ele opta pela segunda. Seu chefe o lembra que não há problema algum em ficar mais alguns dias de folga, mas todos os apelos são em vão. E é ali, sentado à mesa, que o protagonista descobre que a NASA está recrutando astronautas para o programa aeroespacial. Com a mesma impassividade que enfrentou momentos de turbulência em sua vida profissional e pessoal, participa da entrevista de seleção. Um dos recrutadores pergunta: “A morte da sua filha não vai influenciar no seu trabalho?” A resposta vem sem hesitação: “Seria insensato dizer que não”. Um dia, no meio do jantar, Janet atende o telefone e o passa para o marido. Aprovado. Qual é a reação dele? Nenhuma. Apenas um “consegui” é balbuciado de leve. Tornar-se um piloto da agência espacial americana deve ser tão difícil quanto comprar um burrito no Taco Bell da esquina. E, assim, Armstrong segue sua jornada pessoal.

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Foto: Universal Pictures / Divulgação

Uma vez dentro da NASA, o texto de Josh Singer, ganhador do Oscar de Melhor Roteiro Original por Spotlight: Segredos Revelados (2015), aprofunda uma outra característica do personagem principal: o perfeccionismo. A morte da filha é só a primeira a bater na sua porta. Lembram o que escrevi sobre o risco de empreender uma jornada destas? Então, colegas e amigos vão caindo e em vez de se abalar com estas perdas, Neil mete a cara no trabalho e vai em frente. Não havia nada que ele pudesse fazer para evitar o que aconteceu com Karen. Já em relação aos companheiros de jornada é diferente. Algumas falhas podem ser evitadas. Paralelamente, abre-se um abismo entre ele e Janet. Instala-se um silêncio. Ela continua ali. Apoiando e sem exigir nada em troca além de que o marido dê um pouco mais de atenção aos filhos (eles tiveram outro menino). Uma cena, um pouco antes do embarque para a lua, evidencia isto e comprova todo o poder do excelente roteiro de Singer.

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Para realizar a sua própria jornada e filmar a jornada de Neil Armstrong, Chazelle se cercou de velhos companheiros: o diretor de fotografia sueco Linus Sandgren, o compositor Justin Hurwitz e o montador Tom Cross. Vencedores do Oscar e parceiros de filmes como Whiplash: Em Busca da Perfeição (2015) e La La Land: Cantando Estações (2016), o trio potencializou o que vemos na telona. Herdeiro do gênio Sven Nykvist, o fotógrafo conseguiu empregar uma marca clara no seu trabalho: as cenas familiares que mostram as lembranças do protagonista têm uma textura bem granulada que remete àqueles vídeos caseiros antigos. Completamente diferente das imagens do tempo presente. Com uma trilha sonora muito mais suave do que a dos longas anteriores, Hurwitz deu um aspecto de balé sideral às tomadas passadas no espaço, o que acabou sendo uma boa alternativa para estes instantes que seriam de um silêncio absoluto. Só que, aqui, o silêncio é bastante precioso para ser banalizado. Já a edição de Cross se destaca nos momentos de perigo em que a adrenalina sobe.

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Foto: Universal Pictures / Divulgação

O elenco tem muitos rostos conhecidos, todavia, eles pouco importam, assim como a cena de um grupo de negros protestando contra o uso indevido de dinheiro para pôr o branco na lua ou de um intelectual na televisão afirmando que preferia uma Nova Iorque sustentável estão ali apenas para compor um quadro geral. As atuações que importam são as de Ryan Gosling e de Claire Foy, em composições de personagens diametralmente opostas e igualmente brilhantes. E por falar nisto, é difícil não pensar que, ao escolher filmar o roteiro de outro, Damien Chazelle não tenha levado em conta a personalidade do protagonista. Se não são impassíveis como Neil, Andrew Neiman (Miles Teller), Sebastian Wilder (o próprio Gosling) e Mia Dolan (Emma Stone), seus protagonistas anteriores, nutrem do mesmo perfeccionismo e determinação na hora de fazer o que precisa ser feito. São desbravadores de seus destinos. Todos perpassados por uma fina linha que os liga de maneira indelével.

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Em O Primeiro Homem, a questão do silêncio atinge seu ápice no último ato, afinal, é ele que delimita o desfecho de uma jornada, ou melhor, de duas. Ao proferir a tal frase famosa e dar os passos históricos, Neil Armstrong estanca e fica em silêncio. Mais do que o silêncio verbal, ele é envolvido pelo silêncio absoluto do espaço. Ali, olhando para a Terra, que àquela distância é só uma ervilha azul, o pai, e não o astronauta, se reconcilia com o seu passado. É o fim da jornada da humanidade rumo ao desconhecido e é, principalmente, o encerramento da jornada pessoal que serviu de bussola para o longa. A cena é emocionante e os créditos poderiam ter subido em seguida. Contudo, o cineasta preferiu dar continuidade, mostrar mais algumas coisas e culminar com um frame igualmente tocante, envolvendo o casal de protagonistas. Todo tipo de som é abafado e o silêncio que se instala, desta vez, só não é tão absoluto porque uma atmosfera de ternura anuncia uma nova jornada muito mais importante.

Desliguem os celulares e excepcional diversão.

::: TRAILER

::: FICHA TÉCNICA

Título original: First Man
Direção: Damien Chazelle
Elenco: Ryan Gosling, Claire Foy, Jason Clarke
Distribuição: Universal Pictures
Data de estreia: qui, 18/10/18
País: Estados Unidos
Gênero: drama
Ano de produção: 2018
Classificação: 12 anos

Bruno Giacobbo

Um dos últimos românticos, vivo à procura de um lugar chamado Notting Hill, mas começo a desconfiar que ele só existe mesmo nos filmes e na imaginação dos grandes roteiristas. Acredito que o cinema brasileiro é o melhor do mundo e defendo que a Boca do Lixo foi a nossa Nova Hollywood. Apesar das agruras da vida, sou feliz como um italiano quando sabe que terá amor e vinho.
NAN