Olhos que Condenam Netflix

‘Olhos que Condenam’ (Netflix) | CRÍTICA

Alvaro Tallarico

Racismo e/é crueldade

Garotos felizes, com suas namoradas, seus amigos, cheios de passatempos e sonhos. Vão caminhando se juntando, meio sem querer querendo, em direção a um parque. Estão simplesmente rindo, brincando… zoando. São adolescentes e crianças que juntos parecem se sentir mais fortes.

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O problema é que, no momento que estão no parque, um crime acontece, um estupro de uma loira. Alguém tem que ser culpado. Esse crime não pode ficar sem solução. Ei, calma, aqueles garotos são sobretudo negros ou hispânicos. Achamos os “culpados”.

A trama

A saber, a história de Olhos que Condenam (When They See Us) começa com o crime em si. Nós assistimos impotentes como Richardson (Asante Blackk), McCray (Caleel Harris), Salam (Ethan Herisse), Wise (Jharrel Jerome) e Santana (Marquis Rodriguez), todos adolescentes negros ou latinos do Harlem, são puxados para o caso. Vemos confissões forçadas e coagidas. Os pobres meninos se esforçam para juntar uma narrativa que (falsamente) acreditam que agradará aos detetives e os manterá fora da prisão.

Olhos que Condenam Netflix (1)

A situação vira uma caça às bruxas. Uma inquisição. Somos apenas espectadores assistindo pela tela, mas a impressão é que estamos ali, próximos, tamanha é a verossimilhança que a minissérie passa. Aliás, as atuações, a direção, a fotografia. É tudo de um capricho e seriedade extremos. Não poderia ser diferente pela temática pesada e violenta que aborda.

Além disso, a “investigadora” se porta como juíza. Escolheu os culpados e guia tudo a seu bel prazer, para sanar o próprio ego e a sede de “justiça” a qualquer custo. É, de fato, o poder sendo utilizado da sua pior forma, para induzir mentiras e criar fatos inexistentes.

Alguns garotos viram bodes expiatórios – pois precisam de alguns. Afinal, são negros e/ou hispânicos. Sofrem da crueldade dos mais baixos níveis que seres humanos (humanos?) podem descer. Tortura, chantagem, violência física e psicológica. A sensação de quem assiste é sobretudo impotência, indignação.

Olhos que Condenam Netflix (7)

História real

Aliás, a trama de Olhos que Condenam é real. E é isso que dói mais. Em 19 de abril de 1989, uma mulher foi atacada e estuprada enquanto corria no Central Park, em Nova Iorque. Cinco meninos, Korey Wise, Yusef Salaam, Antron McCray, Raymond Santana e Kevin Richardson, que tinham entre 14 e 16 anos na época, foram condenados pelo crime.

A trilha sonora é de um esmero que faz toda diferença. É certamente um fator preponderante para o sucesso da produção. Guiando o tom das cenas, acrescentando sempre. Nada é aleatório. No primeiro episódio, o som de abertura é “I Got It Made”, de Special Ed, lançado em 1989. Temos hip hop de alta qualidade com “Fight the Power”, do Public Enemy. Artistas de peso como Frank Ocean, bem como Nipsey Hussle, Jay Z, The Cinematic Orchestra, entre outros.

Olhos que Condenam Netflix (5)

Ademais, podemos ver também Donald Trump dando entrevistas na época do ocorrido, divulgando sua opinião e, inclusive, pagando por propaganda em favor da pena de morte. Querendo matar aqueles meninos inocentes.

O tom de Olhos que Condenam nos dois primeiros episódios é de tragédia épica. No geral, o elenco inteiro atua com eficiência, realismo, e é tudo tecnicamente perfeito, bem produzido, impecável.

O desespero dos familiares dói em quem assiste. Reitero: a sensação de impotência e indignação é forte e inevitável. Vemos um sistema opressor trabalhando de forma injusta e preconceituosa com o apoio de uma mídia sensacionalista. O circo armado.

Difícil de assistir, mas relevante demais

Olhos que Condenam é uma aula sobre crueldade, racismo e injustiça. Coisas ruins que permeiam esse mundo em que vivemos. Não é fácil de assistir, mas é relevante demais. Como meninos inocentes viram bodes expiatórios. Enquanto assistia, muitas vezes senti como se levasse um soco no estômago. A angústia impera.

Imagina você ser preso por um crime que não cometeu? O seu sofrimento e de seus familiares? Nem para o pior inimigo desejaria algo assim.

Tente se colocar no lugar de Korey Wise, um garoto de 16 anos que só quis acompanhar o amigo até a delegacia, para ajudar. E que acaba sendo arrastado pela onda justiceira, sendo o único a ir para prisão de adultos. Jharrel Jerome tem uma atuação que atinge nosso âmago, fazendo sentir o gosto amargo da solidão. No último episódio, temos uma noção do que esse guerreiro passou até a reviravolta que trouxe novidades.

Em resumo, foi pesado ver a minissérie. O trabalho de direção e roteiro de Ava DuVernay deve ser louvado. Todos deveriam assistir para entender melhor o sistema em que vivemos. Sistema esse que foi construído de uma forma tão injusta e opressiva. Infelizmente, na sociedade prevalece o engano. Contudo, no fim, apesar de todo o pesar, Olhos que Condenam também é sobre esperança e fé. Isso que move o mundo em prol da verdade e da justiça.

::: TRAILER

https://www.youtube.com/watch?v=InMokMK3ji4

::: FICHA TÉCNICA

Título original: When They See Us
Temporada: 1
Episódios: 4
Direção: Ava DuVernay
Roteiro: Ava DuVernay
Netflix: Netflix
Produção: Participant Media LLC, Harpo Studios, Tribeca Productions
Elenco: Adepero Oduye, Ariel Shafir, Asante Blackk, Aunjanue Ellis, Aurora Perrineau, Blair Underwood, Caleel Harris, Chris Chalk, Ethan Herisse, Famke Janssen, Felicity Huffman, Jasmin Walker, Jharrel Jerome, Jimmy Gary Jr., John Leguizamo, Joshua Jackson, Jovan Adepo, Kate Easton, Kylie Bunbury, Mark Borkowski, Marquis Rodriguez, Marsha Stephanie Blake, Michael K. Williams, Niecy Nash, Reginald L. Barnes, Storm Reid, Vera Farmiga, William Sadler
Data de estreia: sex, 31/05/19
País: Estados Unidos
Gênero: Drama
Ano de produção: 2019
Classificação: 18 anos

Alvaro Tallarico

Jornalista vivente andante (não necessariamente nessa ordem), cidadão do mundo, pacifista, divulgador da arte como expressão da busca pela reflexão e transcendência humana. @viventeandante
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