CRÍTICA | ‘Os Incontestáveis’ acaba pagando pela sua ousadia
Bruno Giacobbo
Já ouviram falar na União de Jeová? Uma pequena região no Espirito Santo, perto da divisa com Minas Gerais, que na década de 50, sob a liderança do lavrador Udelino Alves de Matos, tentou se tornar um estado brasileiro? Nunca? Sem problema, afinal, mesmo formado em História, também jamais ouvi falar. Aliás, até o ano de 1988, quando o jornalista Adilson Vilaça publicou um livro sobre esta obscura passagem histórica, os próprios capixabas pouco sabiam sobre o assunto. E, provavelmente, muitas outras pessoas continuariam desconhecendo este episódio se não fosse Os Incontestáveis, o primeiro longa-metragem do cineasta capixaba Alexandre Serafini. Então, vocês devem estar se perguntando: “Estamos diante de um filme de caráter essencialmente historiográfico?” Não. E este é somente um dos problemas desta obra de ficção com um pé fincado na realidade.
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Existe um romance homônimo, escrito por Saulo Ribeiro. No entanto, não dá para dizer que esta seja uma adaptação cinematográfica. Na verdade, o autor estava empacado e decidiu, junto com Serafini, transformar aquela narrativa em um roteiro. Depois que este foi finalmente “parido”, ficou mais fácil terminar o livro. Inicialmente, a trama tem um plot bastante simples. Os irmãos Bel (Fabio Mozine) e Mau (Willians Alves-Just) partem em um road movie, pelo interior do estado, em busca de um Maverick 77, cor de vinho, que pertenceu ao pai deles. Sabendo o paradeiro do comprador do carro, eles vão pingando de endereço em endereço, pois acabam descobrindo que o veículo jamais ficou muito tempo nas mãos de um mesmo dono. Este périplo, partindo de Vila Velha e passando por lugares distantes como Ecoporanga e Cotaxé, os leva a conhecer todo tipo de pessoas inusitadas.
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Se tivesse permanecido dentro da ideia original, um road movie com uma pegada local, o resultado, certamente, teria sido melhor. Até ali, o longa-metragem era divertido. E a proposta perfeitamente compreensível: um diretor capixaba, com um orçamento limitado, filmou uma história passada em casa e com não-atores da terra. Uma ação entre amigos, no bom sentido da expressão. Tem cheiro de ousadia, ainda que esta, diversas vezes, seja uma exigência forçada de uma indústria que não apoia novos realizadores. A questão é que toda ação ousada demanda um certo risco e o preço a pagar por este nem sempre é barato. Ao tentar amalgamar sua aventura sobre quatro rodas com uma passagem da história do Espírito Santo que, com certeza, renderia um bom filme à parte, Serafini acabou realçando problemas como os diálogos rasos e as fracas atuações que antes eram relevados pelo clima galhofeiro da obra.
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O neorrealismo italiano transformou a escalação de não-atores em um recurso autoral. É bacana dizer: “Não usei atores profissionais. Esta era a minha proposta”. Tanto pode funcionar, como pode acabar sendo um grande equívoco. Músicos por profissão, Mozine e Alves-Just não apenas atuaram como são os responsáveis pela boa trilha sonora. E se na parte musical merecem todos os elogios por uma das melhores coisas desta película, quando encarnam os protagonistas, Bel e Mau, deixam a desejar. A utilização de pessoas comuns implica numa naturalidade que aqui não soa convincente. A ideia é acreditarmos que aqueles personagens falariam daquele jeito se as câmeras estivessem desligadas. E isto não acontece, talvez, em função das falas que parecem impossíveis de serem ditas por alguém inteligente ou pela falta de traquejo dos intérpretes, que descamba em desempenhos exagerados e nada naturais.
Em defesa de Os Incontestáveis, é possível alegar que o resultado do amálgama feito por Alexandre Serafini é parecido com o obtido por Marco Dutra e Juliana Rojas em “As Boas Maneiras”. Na película paulistana, temos duas histórias em uma. Há uma nítida quebra, lá pela metade, que resulta em um segundo longa. Daria até para fazer dois películas isoladas, já que ambas possuem começo, meio e fim. Aqui, não seria possível. A meia hora final é também uma trama completamente distinta. Acontece que, no caso em questão, as duas histórias resultantes são incompletas e interdependentes. Por um lado, isto é bom para quem curte filmes com maior organicidade. Contudo, por outro, é ruim porque deixa no ar a sensação de que todas as pontas não foram bem amarradas e de que ficou faltando contar parte desta aventura.
Desliguem os celulares.
::: TRAILER
::: FICHA TÉCNICA
Distribuição: Livres Filmes
Data de estreia: qui, 09/08/18
Direção: Alexandre Serafini
Elenco: Fabio Mozine, Will Just, Fernando Teixeira
País: Brasil
Gênero: drama
Ano de produção: 2017
Duração: 83 minutos
Classificação: 14 anos