CRÍTICA | Era uma vez na Colômbia, ‘Pássaros de Verão’ mostra o tráfico sob o prisma indígena

Bruno Giacobbo

Vocês já imaginaram como seria se Vito Corleone baseasse suas decisões em sonhos e tradições indígenas? Não, né? Até porque não existe nenhuma conexão entre o velho carcamano e os nativos americanos. Então, vou facilitar um pouquinho: Imaginem Pablo Escobar, o chefe do Cartel de Medellín, nesta mesma situação? Ficou mais fácil. Só que ele não se baseava nestas coisas, afinal, por tudo que já foi escrito e dito sobre ele, dá para afirmar que o homem do “plata o plomo” nunca foi apegado a este tipo de tradição. Acontece que quando a maconha começou a ser comercializada e se tornou uma importante fonte de riqueza para os colombianos ela não era uma exclusividade dos alijunas (os não indígenas). Pelo contrário: as primeiras plantações surgiram em áreas cultivadas pelos nativos. Agora, imaginem se um destes tivesse tido a ideia de lucrar com a erva? Aí seria possível imaginar o que propus.

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Novo longa do cineasta Ciro Guerra (do maravilhoso O Abraço da Serpente, indicado ao Oscar 2016), agora em parceria com sua esposa e também realizadora Cristina Gallego, Pássaros de Verão (Pájaros de Verano) retrata o surgimento do tráfico de drogas sob o prisma dos wayúus, um povo indígena que vive da região de Guajira. A história, que se passa entre os anos 60 e 80, tem como personagem principal Rapayet (José Acosta), um wayúu que, depois de passar um tempo longe da sua terra, volta para casar com Zaida (Natalia Reyes). O filme começa com a bela cena do ritual em que a família anuncia que a moça já não é mais uma criança e está pronta para ser desposada. É neste momento que o jovem protagonista se apaixona por ela. Só que ele enfrentará a resistência de Úrsula (Carmiña Martinez), matriarca da Família Pushaina, mãe de Zaida e aquela que tem sonhos proféticos com mortos.

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Com Rapayet vem Moncho (Jhon Narváez), um alijuna legítimo, cara ambicioso e que gosta de aproveitar a vida farreando. São os dois, juntos, ao conhecerem uns norte-americanos que estão na Colômbia fazendo campanha contra o comunismo e que apreciam fumar uma erva, que tem a ideia de comercializar o produto para os Estados Unidos. Assim, eles estabelecem as primeiras conexões e, para terem o que vender logo de cara, firmam parceria com um primo dos Pushainas que já plantava em suas propriedades. E para quem achava que a velha matriarca, apegada as suas tradições (uma, inclusive, diz que é proibido matar na terra dos wayúus), seria contra este novo empreendimento, ledo engano. Ela não só apoia a dupla, como, usando o seu dom de ouvir o além, serve de consigliere para o genro, que, em um primeiro momento, se coloca como o poderoso chefão da família e dos negócios.

O que vemos na telona é uma autêntica saga familiar, no melhor estilo da trilogia de Francis Ford Coppola ou de “Era Uma Vez na América” (1984), de Sérgio Leone, mas sem abrir mão do viés antropológico existente na obra anterior de Ciro Guerra. Dividido em cinco capítulos, chamados de ‘cantos’, pois cada um deles começa ou termina com uma canção indígena que ajuda a narrar e a contextualizar a história, a película pode até soar didática para alguns, só que este suposto didatismo era necessário face a grande quantidade de elementos culturais estranhos a quem não é da região. Estas particularidades só seriam um problema se, em função delas, a narrativa se tornasse arrastada. O que não acontece. Calcados na exuberância da fotografia e da direção de arte, Guerra e Gallego fizeram um maravilhoso thriller de gângsteres com mortes, corpos e sangue. Era uma vez na Colômbia…

Desliguem os celulares e excepcional diversão. Veja os horários de exibição do filme.

*Filme visto no 20º Festival Internacional de Cinema do Rio de Janeiro

::: TRAILER

::: FICHA TÉCNICA

Título original: Pájaros de Verano
Direção: Ciro Guerra e Cristina Gallego
Elenco: José Acosta, Natalia Reyes e Carminã Martinez
País: Colômbia, Dinamarca e México
Gênero: drama
Ano de produção: 2018
Duração: 125 minutos
Classificação: a definir

Bruno Giacobbo

Um dos últimos românticos, vivo à procura de um lugar chamado Notting Hill, mas começo a desconfiar que ele só existe mesmo nos filmes e na imaginação dos grandes roteiristas. Acredito que o cinema brasileiro é o melhor do mundo e defendo que a Boca do Lixo foi a nossa Nova Hollywood. Apesar das agruras da vida, sou feliz como um italiano quando sabe que terá amor e vinho.
NAN