CRÍTICA | ‘Peles’, primeiro longa do espanhol Eduardo Casanova, surpreende e desconcerta o espectador
Bruno Cavalcante
Lançando no mês de fevereiro no Festival Internacional de Berlim, e mais recentemente na plataforma de streaming Netflix, o longa-metragem “Peles” surge como uma das obras mais provocativas do cinema espanhol nos últimos tempos.
“Pieles“, título original, é o primeiro longa dirigido por Eduardo Casanova, um espanhol de apenas 25 anos, porém com um notável currículo incluindo a direção de alguns curtas-metragens, além de outros trabalhos como ator. O filme é justamente baseado em uma de suas antigas obras, o curta “Eat my Shit“, também protagonizado por Ana Polvorosa, que em “Peles” revive a personagem Samantha, uma jovem que por ironia do destino nascera com a boca e o ânus trocados de lugar.
Na verdade, o filme abrange todo esse universo estético, porém de uma maneira muito mais sombria e chocante. A película passa pelo conceito do ‘aceitável’ em uma sociedade onde as pessoas que não se encaixam em um determinado padrão, precisam se esconder em guetos e viver como se tivessem cometido o pior dos atos. Assim como Laura, uma menina sem olhos que todos os dias é obrigada a se prostituir, sem ao menos saber quem a está tocando, por temer ou desconhecer qualquer outra possibilidade de vida; ou um jovem que decide se tornar uma sereia cortando as próprias pernas por não as reconhecer como suas.
As histórias se entrelaçam ao mesmo tempo em que ganham uma proporção dramática ainda maior. Nesse sentido podemos dar todo o crédito à preciosa direção de Casanova, que consegue pensar milimetricamente em cada detalhe de sua obra. Em “Peles” temos um apanhado de referências a outros grandes nomes do cinema, como o conceito estético que normalmente vemos nos filmes de Tim Burton, com muitas cores e suas formas em destaque; temos também a intenção do discurso provocativo e estarrecedor de Lars von Trier, além do drama persuasivo encontrado nos filmes de seu conterrâneo Pedro Almodóvar.
A fotografia de “Peles” é algo que chama bastante a atenção, com suas cores frias passando pelo violeta e o rosa bebê, que denotam uma certa intenção de organizar a bagunça que se encontram as vidas de seus personagens. A trilha sonora também aparece como um plus, com uma música que se faz presente do início ao fim da película, e que de tão melancólica chega a grudar na sua cabeça. Já as atuações surgem para coroar esta magnífica obra, com interpretações preciosas de atores como a da veterana Carmen Machi, que interpreta uma mãe desenganada, impondo suas frustrações sobre o filho. Ou a própria Ana Polvorosa, que nos faz ficar sensíveis mesmo com a estranheza de sua forma física, fazendo-nos lembrar do ingênuo personagem Cara de Cu da série “Preacher“.
“Pieles” é um filme inteiramente provocativo, tudo nele irrita, incomoda e te faz ficar completamente desconcertado diante do que está sendo proposto. É um novo respiro para que o cinema espanhol volte a brilhar como nos tempos áureos de Almodóvar. Se você ficou intrigado com os episódios de “Black Mirror”, então prepare-se!
TRAILER:
FICHA TÉCNICA
Título original: Pieles
Direção: Eduardo Casanova
Roteiro: Eduardo Casanova
Elenco: Carmen Machi, Ana María Polvorosa, Jon Kortajarena, Candela Peña, Macarena Gómez, Secun de la Rosa, Joaquín Climent, Carolina Bang, Itziar Castro, Ana María Ayala, Eloi Costa, Adolfo Fernández, Javier Bódalo e Antonio Durán.
Produção: Carolina Bang, Alex de la Iglesia e Kiko Martínez
Fotografia: José Antonio Muñoz Molina
Direção de Arte: Idoia Eteban
Gênero: Drama
País: Espanha
Ano: 2017