CRÍTICA | ‘Polar’

Lohan Lage Pignone

“Não há como se aposentar do trabalho que dá o nosso maior inimigo: aquele reside em nossa mente”.

*Esta crítica possui spoilers

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Nosso maior assassino está em nossa cabeça, em nosso psicológico. Em determinado momento do filme, essa fala advém da boca de um médico e alinha-se com destreza à história-base de Polar. Do gatilho desse assassino profissional, não há como se livrar, por mais terapias que se pague, por maiores que sejam as mudanças em nossa vida. Ele está lá, feito um tormento, recalcado ou não, sempre disposto a nos reunir com dores passadas, logo, não há como se aposentar do trabalho que dá o nosso maior inimigo: o que reside em nossa mente. Polar, cujo roteiro foi adaptado da webcomic de ação de mesmo nome criada pelo espanhol Victor Santos, em 2012, é um filme sobre como se libertar de um passado perturbador.

Em inglês, se aposentar significa to retire. Podemos nos apropriar da tradução “se retirar”, afinal, se aposentar é se retirar de algo, naturalmente. Em Polar, no death business de Mr. Blut (Matt Lucas), está previsto no regulamento de que a retirada é compulsória quando se completa 50 anos. E o rendimento monetário dessa “retirada” não é nada mal para o trabalhador que, aqui, atua como assassino de aluguel. Duncan Vizla é um desses matadores que precisa “pendurar as chuteiras” (ou não seria melhor dizer a arma?) e está prestes a receber US$ 8 milhões de bolada por todo esforço ao longo de anos derramando sangue ao redor do mundo. Interpretado pelo ator dinamarquês Mads Mikkelsen (da série “Hannibal” e do filme “A Caça”), Duncan, ou Black Kaiser, como é mais conhecido entre os seus colegas de ofício, só não esperava que, nesse momento (segundo o seu médico, “o momento em que os homens se acham os maiores, querem praticar esportes malucos, largarem suas esposas e transarem com mulheres mais jovens que a própria filha”), o verdadeiro jogo de sobrevivência fosse começar.

Foto: Netflix / Divulgação

Aposenta-se de um trabalho, de hábitos. Mas há como se aposentar do inimigo que se aloja à pisque?  Duncan se vê atormentado, aparentemente por um crime em específico, cometido no passado. As cenas aparecem desconexas, num misto de onírico com flashbacks, sempre remetendo a pesadelos. Além disso, a vida reclusa que Duncan escolheu para viver entra na mira de uma jovem gangue meio cômica-gore, contratada por Mr. Blut (personagem tão excêntrico quanto, que não quer desembolsar de jeito nenhum essa quantia milionária para um funcionário aposentado “de guerra”).

Em comparação com a webcomic, o roteiro do longa busca revelar mais detalhes sobre essa gangue, formada por cinco assassinos que mais parecem um arco-íris bizarro e sanguinolento. A emblemática cena que abre os quadrinhos só é encaixada na metade do filme. No longa, pode ser classificada a cena-plot que quebra algumas expectativas. Apesar de ganharem mais “vida” na película, não há tempo suficiente para que aconteça uma identificação com os excêntricos matadores. Eles abusam do trash e até destacam-se em uma ou outra tirada, mas são rasos em termos de narrativa. Quem rouba a cena, de fato, é Mikkelsen, com seu personagem reservado, solitário, taciturno. Não diria que seja um homem frio, embora seja calculista – pré-requisito de sua profissão, claro.

Foto: Netflix / Divulgação

Em muitas passagens, Duncan se mostra sensível a dor do outro, ou mesmo no revolver do próprio remorso. A paisagem que o cerca dá esse tom de frialdade e isolamento, com símbolos pictóricos como a chuva, a neve; a fotografia mais sombria. Soma-se ainda a presença de sua vizinha, Camille (interpretada por Vanessa Hudgens, a eterna Gabriella Montez da franquia High School Musical), que também se mostra totalmente isolada e acorrentada a um segredo que a angustia. Mais uma vez, o atrelamento ao fator psicológico, do qual não se consegue libertar; este caso, aliás, ganha um contorno dramático de extrema importância para o desfecho da trama. A própria personagem chega a declarar “que não conseguia enxergar outra coisa” a não ser essa lembrança fixa; ela só quer que isso desapareça. Mas do assassino dentro de nós, não nos livramos. É preciso saber administrá-lo. Lidar com as águas passadas que sim, aqui, movem moinhos. Movem e deságuam em uma ótima fenda para que haja a continuação da história.

A direção de Jonas Akerlund (famoso pela produção de videoclipes) se mostra firme nas cenas de ação, enquanto a edição é ágil, lidando bem com o recorte dos vários lugares retratados em externas, valendo-se de letreiros estilizados para apresentar personagens e situar o espectador. Pode-se dizer que Polar é um genérico de John Wick, e, caso haja continuação e a direção saiba extrair mais dos papéis secundários e gerar subtramas convincentes e menos superficiais, Vizla pode ganhar mesma moral que Wick. Duncan é um badass com traços de humanidade que ainda podem ser muito explorados na possível continuação da história. Como será o seu próximo estágio de retirada?

Esta é mais uma obra que compõe o catálogo da Netflix, que funciona muito bem para quem é amante de filmes de ação e como um bom gostinho para quem já não vê a hora do novo John Wick chegar chegando.

::: TRAILER

::: FICHA TÉCNICA

Título original: Polar
Direção: Jonas Akerlund
Roteirista: Jayson Rothwell
Elenco: Mads Mikkelsen, Vanessa Hudgens, Matt Lucas, Katheryn Winnick
Distribuição: Netflix
Produção: Dark Horse Entertainment
Duração: 118 minutos
Ano: 2019
Classificação indicativa: 18 anos

Lohan Lage Pignone

Lohan Lage Pignone, 31, é nascido no Rio de Janeiro (RJ) e atualmente reside em Nova Friburgo (RJ). Graduado em Letras (Port./Lit.) pela Universidade Estácio de Sá e pós-graduado em Roteiro para Cinema e TV, pela UVA. Publicou, em 2011, o livro “Poesia é Isso” (Ed. Multifoco). Assinou o roteiro e dirigiu o documentário em curta-metragem “Terra Nova, Friburgo”. Formou-se em Direção (Cinema) pela AIC.
NAN