CRÍTICA | ‘Redemoinho’ faz do estreante Villamarim um dos grandes diretores do cinema brasileiro

Tatiana Reuter

Dois amigos de infância se reencontram depois de muitos anos. Adultos, o que foi para São Paulo e o que ficou em Cataguases vivem as diferenças e consequências de suas escolhas de vida. Quem tem a melhor vida ou quem fez a melhor escolha é o que tentaremos descobrir em Redemoinho, longa-metragem dirigido por José Luiz Villamarim.

Irandhir Santos é Luzimar, um operário da fábrica de tecidos de Cataguases, uma pequena cidade mineira cortada por um rio, uma ponte e um trilho de trem. É casado com Toninha (Dira Paes) e segue a caminho de casa para a noite de Natal. É também irmão de Hélia (Cyria Coentro) e amigo de Gildo (Júlio Andrade), que mora em São Paulo. Ao passar em frente à antiga casa do amigo, se depara com Dona Marta (Cassia Kis Magro) e o carro de Gildo, indicando que ele estava de volta. É sobre esse encontro de uma tarde e uma noite que trata o filme.

Roteiro de George Moura, que trabalhou com o diretor em diversos seriados da TV Globo, é uma adaptação do conto de Luiz Ruffato, Amigos, do livro Inferno Provisório. O livro trata de Cataguases e seu entorno, da vida na cidade pequena, de pessoas como quaisquer outras, mas com uma profundidade que o autor destaca e aprofunda em uma narrativa que cruza o regional com o universal. A adaptação do conto ganha fragmentos de outras histórias do livro, a dar corpo e ação aos menores personagens. Aqui, estas histórias dos que cruzam a vida de Gildo e Luzimar ganham peso e força, intensificando a ideia de redemoinho presente também na obra do escritor, como se aqueles que orbitam os protagonistas fossem também responsáveis pela complexidade da trama.

Luzimar e Gildo são bastante diferentes. Quando menores, deviam ser garotos de uma infância comum, estudavam e jogavam futebol, ajudavam em casa. Por um acidente na infância que deixou traumas em seu grupo na época, se separaram; Gildo e seu irmão Gilmar seguiram para São Paulo, o outro continuou por ali. Luzimar parece ter uma vida tranquila e sem grandes novidades até encontrar Gildo mas, o encontro com o carro do amigo antes mesmo de vê-lo lhe causa um incômodo, uma angústia que vai se remoendo à medida que a história se desenvolve. Gildo, por outro lado, chega como aquele que se foi, seguro e vaidoso, que se acha especial por ter enfrentado a cidade grande e ter aquele tipo de sucesso. A construção destes e de todos os personagens é a riqueza do filme, que se equilibra entre silêncios e diálogos com o mesmo peso e tensão, se apropriando dos ruídos da cidade, na composição de uma trilha sonora sem música.

A montagem deixa uma reflexão; em algum momento a instalação do redemoinho se alonga, não gerando tédio, mas reforçando a repetição e o agravamento da tensão quase por tempo demais. A ideia do redemoinho se firma, um movimento circular que segue se fechando, cada vez com mais intensidade em direção ao centro, cada vez mais fechado e profundo. Para sair dali, há que imprimir uma força maior que siga pela tangente ou que rompa de alguma forma esse raio que tende a se encurtar. Toninha reforça esta ideia, aguardando com ansiedade o marido nos preparativos da casa, da ceia e dela mesma, para o Natal. Sua expectativa, a busca por Luzimar, não gera impaciência, mas uma resignação insatisfeita que reflete em nós. As mulheres do filme – Toninha, Dona Marta e até Dona Bibica (Camila Amado) – estão sempre a esperar, mais uma vez resignadas, por alguma coisa. Nenhuma delas é feliz, todas vivem sob uma frustração persistente e submissa, cada uma por uma razão.

Enquanto o nó do filme se desata sobre nós, assistimos a cidade nos invadir, a fotografia de Walter Carvalho reforça a impressão desde a primeira cena na fábrica, às imagens de chuva, a noite, o trilho do trem, as casas à beira dele. A câmera se concentra, ao mesmo tempo, no minimalismo da ação, é um filme que trata de passado, todos os personagens transparecem o que já foram, guardam suas histórias cujas camadas vão se descascando sobre nossos olhares em planos próximos, buscando os olhares deles. A proximidade da câmera nos rostos dos atores não chega a seus poros, mas parece buscar seus silêncios, reafirmando uma naturalidade nas performances que só os grandes sustentam.

Primeiro filme de um diretor experiente em audiovisual, com uma equipe forte técnica e artisticamente, Redemoinho reforça o bom cinema nacional, imprime um retrato de Brasil, daquele clichê de Brasil profundo, que capitais e cidades litorâneas costumam esquecer, em uma narrativa densa, sofisticada e complexa que prende através de olhares, esperas e silêncios. Tudo o que se diz, da preparação para o clímax quase não requer diálogos, tamanha a força das interpretações – particularmente de Irandhir Santos, Julio Andrade e Cassia Kis. Ao mesmo tempo, não há nada supérfluo, as falas são carregadas de sentido e colaboram para o abismo que os protagonistas tentam escapar e se agarram em qualquer coisa para não caírem. Seguimos junto com eles em suas lembranças e histórias pela metade, recortadas de presente e expectativa em direção ao inevitável e verdadeiro, sem piscar e, ao mesmo tempo, sem querer chegar ao fundo. Deixando seus espectadores com a agonia de ver o filme chegar nos seus finalmentes, sentindo a mesma danação e participando dos destinos de seus personagens, Villamarim se tornou, na estreia, um dos grandes nomes do nosso cinema.

TRAILER:
https://youtu.be/kcpQYfD9r4Y
FICHA TÉNICA:
Direção: José Luiz Villamarim
Elenco: Irandhir Santos, Cássia Kis Magro, Julio Andrade, Dira Paes
Distribuição: Vitrine Filmes
Data de estreia: qui, 09/02/17
País: Brasil
Gênero: drama
Ano de produção: 2016
Classificação: a definir

Tatiana Reuter

Baiana residente no Rio. Produtora na tv, cineasta por formação. Vivo a base de vinho, pimenta e café forte. Escrevo no extraforte.blogspot.com e sou pós-graduada em Cinema Documentário. Programo o ano entre feriados e viagens e trafego entre Beatles e Gonzagão, fotos e livros.
NAN