CRÍTICA | ‘Sangue do Meu Sangue’ possui uma forte carga de crítica social

Bianca Moreira

Há no homem uma fratura profunda: não sabemos quem somos, nem porquê aqui estamos. Essas dúvidas sempre nos guiou em direção ao mítico, a espiritualidade  e ao deuses. Sangue do Meu Sangue levanta as contradições que permeiam o campo da religião católica evidenciando como amor e medo andam lado a lado, como força e destruição são irmãs e como fé e sofrimento se completam quando se trata do Deus da tradição cristã.

Com a autoconfiança e  a audácia criativa que vem de sua longa experiência, o veterano Marcos Bellocchio mostra com esse filme que continua trabalhando expressão e conteúdo com uma singularidade inspiradora.

O suicídio de um padre leva seu irmão Federico (Pier Giorgio Bellocchio) até o monastério onde vivia. Sua intenção é tentar inocenta-lo dos olhos rigorosos da doutrina católica, que vê o ato de tirar a própria vida como pecado imperdoável. A responsabilidade da atitude “condenável” do padre recaí sobre a freira Benedetta (Elena Bellocchiio), em virtude do caso amoroso que tiveram. Aliás, na visão extremamente machista da igreja, é melhor reconhecer que uma mulher cometeu um pecado do que o homem, pobre ser que desde sua origem no jardim do Éden  é induzido pela “fêmea” sedutora.

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Benedetta é submetida a vários processos de tortura comumente usados na idade média, métodos que supostamente são enviados por Deus para que seja atestada a inocência ou a culpa de um réu.  A freira foi empurrada de um penhasco em direção a um rio com correntes de ferro em volta de seu pescoço, caso boiasse sobre as águas seria condenada, mas como afundou e isso seria um sinal de sua inocência. É colocada em uma sala com vários sacerdotes para verem se ela consegue chorar espontaneamente – um nítido sinal divino de sua virtude e, finalmente a um julgamento com fogo. Convencidos de que com esse último julgamento ela viria admitir possessão demoníaca, Federico foi liberado e lhe foi assegurado que seu irmão possuiria um enterro adequado. Como a confissão não veio, Benedetta permaneceu murada em uma pequena câmera no convento.

Nesse ponto, o diretor explora o binômio religião/medo alternando tons claros e escuros nas cenas. Explora a ideia de um Deus que inspira muito mais temor do que o amor, um Deus que envia a morte com a mesma facilidade com que concede benefícios e milagres. E por fim,  denuncia a ideologia arcaica de uma religião que se move a base do pavor de seus fiéis.

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Bellocchio sai deixa o século XVI e adentra no mundo atual na segunda parte do filme. Aqui é retratada parte da vida monótona de Basta Count(Roberto Herlitzka), que vive no antigo monastério nos últimos oito anos em segredo. Na cidade há rumores que se trata de  um vampiro, já que só é visto nas ruas de Bobbio nas madrugadas. O conde tentou parar o tempo –  sequestrando-se no convento com seus amigos e aliados antigos, prende-se  no passado, queixando-se sobre as mudanças da cidade.

Para além da localização, essas duas histórias se relacionam por terem em comum a temática da passagem do tempo. Bellocchio faz uma crítica ferrenha a Igreja Católica e a sua maneira medieval de pensar. Além de problematizar a questão da fácil corrupção das instituições como um todo. Basta Count vive em segredo corrompendo autoridades do estado e também da Igreja.

Sangue do Meu Sangue é um filme que se encaixa perfeitamente nos métodos de Bellochio. A trama revela uma perspectiva muito particular da vida e da visão de mundo do cineasta. A história é ambientada em Bobbio, sua cidade natal e parte do elenco é constituido por membros de sua família. É uma produção que possui uma forte carga de crítica social, reflexões do passado e do presente e um toque de humor. No entanto, não é um filme que declara suas intenções, apenas as sugerem. Bellochio deixa ao espectador uma tarefa de casa.

TRAILER:

FICHA TÉCNICA:
Título original: Sangue del mio sangue
Direção: Marco Bellocchio
Elenco: Roberto Herlitzka, Piergiorgio Bellocchio Jr, Alba Rohrwacher
Gênero: Drama
País: Itália, França, Suíça
Duração: 107 min.
Distribuição: Fênix Filmes
Ano: 2015

Bianca Moreira

Estudante de jornalismo. Apaixonada por literatura,teatro, fotografia e especialmente pela sétima arte.
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