CRÍTICA | ‘São Paulo em Hi-Fi’ aborda toda a efervescência de uma época de ouro para a noite LGBT paulistana

Bruno Cavalcante

Hoje em dia muito se tem falado sobre a cultura drag, que emergiu com força total depois do sucesso do reality americano “RuPaul’s Drag Race”. O programa trouxe para essa nova geração gay, ou não, todo o lúdico que funciona a partir de um simples ato de transformação, de você se tornar qualquer coisa a partir de truques de maquiagem e produção.
Passeando por este tema, o cineasta Lufe Steffen (A Volta da Pauliceia Desvairada) lançou no ano de 2013 o longa-documentário “São Paulo em Hi-Fi”, que nos leva de volta para a cena gay das décadas de 60, 70 e 80, abordando toda a efervescência de uma época de ouro para a noite LGBT paulistana.
O filme começou a ser exibido em 2013 e 2014 em circuito fechado, passeando por festivais, inclusive ganhando o Prêmio do Público no 18º Queer Lisboa e o Troféu Ida Feldman no 21º Festival Mix Brasil da Diversidade Sexual. Recentemente, ele fez sua estreia para o grande público no Cine Sesc, localizado na cidade de São Paulo.
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São Paulo em Hi-Fi” faz uma gostosa viagem ao passado a partir de depoimentos de artistas da época, que na ocasião eram conhecidos como transformistas e travestis, pois a nomenclatura drag só veio chegar depois, além de jornalistas, empresários, militantes da época, entre outros. Dentre alguns nomes temos o historiador norte-americano James Green, os jornalistas Leão Lobo, Mário Mendes e Celso Curi, autor da pioneira “Coluna do Meio”, primeira coluna gay do jornalismo brasileiro.
A grande sacada do filme de Steffen é que os depoimentos seguem uma certa linha cronológica, e a história vai ganhando forma no decorrer da obra.  Você se envolve completamente e faz uma imersão em toda aquela atmosfera saudosista. É delicioso assistir como foram os anos de glória dos gays no passado, que mesmo atravessando uma ditadura, conseguiam encontrar o seu plano de fuga partindo para um mundo de liberdade e fantasia.
É interessante também ver que a cena LGBT daquela época era bastante viva, e mesmo com muito menos estrutura e recursos do que temos hoje, ela surgia muito mais elaborada, com figurinos impecáveis, shows belíssimos, cheios de coreografias dignas de um musical da Broadway, além de artistas que davam tudo de si em cima de um palco. As pessoas estavam ali verdadeiramente para se divertir e extrapolar tudo o que não podiam à luz do dia.
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A direção de Steffen é bastante precisa, focando os depoimentos em passagens específicas da noite gay paulistana, a partir de relatos entusiasmados de seu elenco, que gozam de terem vivido uma juventude plena em uma época única. Outro ponto notável deste filme é que no decorrer dele você consegue identificar como as coisas acabaram se transformando no que são hoje, no sentido da própria segregação entre a comunidade LGBT, que com a difusão das várias casas de shows por São Paulo, acabou se dividindo entre diversas classes, inclusive de nível social, além de subgrupos como os bears (ursos), as barbies, as lésbicas, os gays mais novos que atacam nas coreografias de música pop etc.
O documentário também chega a falar da sobre o impacto que a AIDS teve dentro da comunidade LGBT, ocasionando muitas mortes, o que acabou fazendo com que a percepção das pessoas sobre os gays, passasse de um sinônimo de diversão e alegria, para algo muito mais sombrio, visto que no início a doença era vista como um tipo de câncer gay, e que só era transmitido por eles e entre eles. O que já sabemos há muito tempo que não é.
São Paulo em Hi-Fi” é um delicioso convite para você que deseja saber um pouco mais da cultural gay do passado, que hoje anda bastante abandonada e completamente sem graça. O engraçado é a inversão de valores, pois em uma época onde em tese temos mais liberdade do que nas décadas de 70 e 80, as festas e as pessoas andam cada vez mais caretas e cansativas. Deveria ser o contrário. Que grande ironia do destino!
TRAILER

Ficha Técnica
Título original: São Paulo em Hi-Fi
Direção: Lufe Steffen
Roteiro: Lufe Steffen
Produção: Lufe Steffen e Edu Lima
Produção executiva: Taís Nardi
Direção de produção: Edu Lima
Direção de fotografia e câmera: Thaissa Oliveira
Som direto: Tomás Franco e Guilherme Assis
Montagem: José Motta e Lufe Steffen
País: Brasil
Data de estreia: 19/05/2016 (Brasil)
Distribuição: Cigano Filmes

Bruno Cavalcante

Meu nome é Bruno Cavalcante, sou formado em publicidade e propaganda, carioca, escorpiano, apaixonado pela vida e por cinema também. Meu gênero preferido é o terror, mas gosto e vejo de tudo um pouco.
NAN