CRÍTICA | ‘Suspíria – A Dança do Medo’

Bruno Giacobbo

Eu sempre me pergunto qual é o sentindo de se refilmar um filme. Temos os exemplos, bem recentes, de “Gloria” (2013), do chileno Sebastian Lelio, e “O Cidadão do Ano” (2014), do norueguês Hans Peter Molland, que acabaram de receber versões americanas comandadas, pasmem, pelos mesmos diretores. Ou seja: além de serem muito recentes, dificilmente trarão algo novo que some alguma coisa àquelas histórias. Será que Lelio e Molland queriam proteger suas obras? Não sei. Quando a refilmagem envolve um clássico antigo, a dinâmica é um pouco diferente. Nestes casos, se o produto em questão é um clássico ou uma obra-prima, o meu questionamento é: “Havia a necessidade de lançar um novo olhar sobre aquele filme?” Via de regra, a resposta será não. Fazer um remake é algo completamente desnecessário. Parece falta de criatividade. Acontece que existe uma diferença bastante sutil entre o remake e a releitura. Remakes tendem a ser iguais; releituras não.

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Quando anunciaram que Luca Guadagnino, na crista da onda devido ao sucesso de “Me Chame Pelo Seu Nome” (2017), refilmaria Suspíria – A Dança do Medo (Suspiria) a grita foi grande. O longa original é um clássico do terror italiano, realizado pelo cineasta Dario Argento a partir de um romance de Thomas De Quincey. Com duas continuações, “Inferno” (1980) e “A Mãe das Lágrimas” (2007), o filme conta a história de uma bailarina americana, Susie Bannion, que realiza o sonho de fazer parte da Academia Tanz, uma prestigiada companhia de dança europeia. Lá, terá a oportunidade de trabalhar com a famosa Madame Blanc. O que a jovem não sabia é que a trupe, na verdade, é comandada por um grupo de poderosas bruxas, as matronas. Na nova versão, Dakota Johnson e Tilda Swinton ficaram com os papeis que, no original, foram interpretados por Jessica Harper e Joan Bennett. Os plots são iguais, mas os finais são completamente diferentes. Logo, trata-se de uma releitura e, como tal, tem o seu valor. E ele é enorme.

Junto com o seu fiel escudeiro, o fotógrafo tailandês Sayombhu Mukdeeproom, Guadagnino conseguiu entregar uma obra que rende homenagem ao clássico de 1977 e, ao mesmo tempo, tem um DNA próprio. As paisagens ensolaradas do norte da Itália, em um verão abrasante, do filme anterior da dupla, dão lugar aos dias acinzentados de uma Berlim dividida pelo muro, em um outono gélido. A diferença em relação ao uso da luz é gritante, o que comprova o talento de ambos para trabalharem com qualquer ambientação. Fazendo uso das sombras de um modo que, certamente, Gordon Willis e Francis Ford Coppola aprovariam, somos, logo de cara, jogados para dentro de uma história capaz de gelar a espinha e eriçar o fio de cabelo mais crespo. Desde a primeira cena, desconfiamos que há algo de errado. Susie é recebida de braços abertos por suas anfitriãs, porém, sinceramente, quem gostaria ou se sentiria realmente à vontade de ficar na casa onde moram as meninas da Academia Tanz?

Aprovada em um teste, Susie logo cai nas graças de Madame Blanc, que viu tudo de soslaio. A companhia não conta mais com sua estrela, Patrícia Hingle, vivida por uma praticamente irreconhecível Chloë Grace Moretz, desaparecida após relatar estranhos acontecimentos para seu psicólogo, Josef Klemperer. Em um ensaio, sua substituta, Olga Ivanova (Elena Fokina), surta e faz acusações pesadas. Assim, do nada, a novata americana, mesmo sem nunca ter ensaiado a coreografia principal, criada após a Segunda Guerra pela lendária bailarina Helena Markos, ganha uma chance e arrasa. Não sei se Dakota Johnson, algum dia em sua vida, teve aulas de balé, mas eu sei que sua performance, aqui, é sensacional. O que acontece por causa desta cena, em que todas as outras meninas a observam boquiabertas, é assustador e, claro, eu não posso revelar para vocês. Grande parte das ações de Suspíria são centradas em números de dança, consequentemente, testemunhar este desempenho de sua protagonista, logo de cara, foi um prenúncio de que viria coisa boa pela frente.

Sentindo-se à vontade para reescrever o final da trama e imprimir sua veia autoral ao filme, o cineasta, inteligentemente, não modificou aquela que é uma das maiores e melhores características desta assustadora história de bruxas: o seu discurso feminista. Em 1977, quando o original foi lançado, o mundo era completamente diferente e naquela época talvez esta questão tenha passado despercebida para muita gente. Hoje, será impossível que isto aconteça. O longa tem apenas três personagens masculinos: o psicólogo Josef Klemperer e dois policiais que investigam o desaparecimento de Patrícia. Com a exceção do primeiro, que demonstra astúcia ao conseguir, aos poucos, se infiltrar naquele mundo de mulheres empoderadas e poderosas; os outros dois se revelam manipuláveis, meros joguetes nas mãos das matronas. Como escrevi mais acima, a dança representa bastante coisa dentro da dinâmica desta obra, logo, há uma supervalorização do corpo feminino sem descambar na vulgaridade. Quem nunca ouviu a seguinte frase: “Meu corpo, minhas regras”. Aqui, ela faz todo sentido.

Da mesma forma que acontece em uma companhia de balé, Dakota Johnson não é a única a se destacar neste palco cinematográfico. A jovem modelo e atriz britânica Mia Goth, no papel de Sara Simms, a melhor amiga da protagonista, também tem seus momentos. Todavia, toda a nossa reverência vai para a veterana Tilda Swinton. Ela interpreta três personagens. Sim, vocês leram corretamente. Quais? Bom, não vou dizer. A graça é tentar descobrir. Não é fácil e um deles comprova toda a versatilidade da intérprete. Ao fim, caso ainda haja dúvida, voltem aqui que conto para vocês. Sob a batuta de Thom Yorke, vocalista, guitarrista e compositor da banda Radiohead, a trilha sonora de Suspíria, outro elemento que vem de imediato a cabeça quando falamos de um longa-metragem de dança, é tão incrível quanto os demais aspectos desta obra bastante harmoniosa e dotada de um frescor não muito comum em refilmagens.

Desliguem os celulares e excepcional diversão.

::: TRAILER

::: FICHA TÉCNICA

Título original: Suspiria
Direção: Luca Guadagnino
Elenco: Dakota Johnson, Tilda Swinton, Mia Goth,  Chloë Grace Moretz
Distribuição: PlayArte
Data de estreia: qui, 11/04/19
País: Estados Unidos e Itália
Gênero: Terror
Ano de produção: 2018
Duração: 152 minutos

Bruno Giacobbo

Um dos últimos românticos, vivo à procura de um lugar chamado Notting Hill, mas começo a desconfiar que ele só existe mesmo nos filmes e na imaginação dos grandes roteiristas. Acredito que o cinema brasileiro é o melhor do mundo e defendo que a Boca do Lixo foi a nossa Nova Hollywood. Apesar das agruras da vida, sou feliz como um italiano quando sabe que terá amor e vinho.
NAN