CRÍTICA #1 | Sem pé nem cabeça, ‘Thor: Ragnarok’ lembra clássico samba de Stanislaw Ponte Preta
Bruno Giacobbo
O escritor, radialista e compositor Sergio Porto, mais conhecido pelo apelido de “Stanislaw Ponte Preta”, em uma de suas músicas, cunhou uma frase definidora de bastante coisa, mas que hoje seria muito mal recebida por conta do politicamente correto: “samba do crioulo doido”. Para quem não a conhece, se é que existe alguém, ela faz referência a algo sem pé nem cabeça, logo, que não faça o menor sentido. Sob pena de ser crucificado e chamado de assecla da DC Comics, vou revelar que foi ela que veio a minha cabeça ao ver Thor: Ragnarok (idem), do diretor neozelandês Taika Waititi, na última sexta-feira. Sim, eu sei que o longa-metragem é fruto da adaptação de uma história em quadrinhos, porém, gostaria de lembrar que a boa transposição de uma obra do papel para o cinema não é necessariamente a mais fiel possível. O motivo? Simples: são mídias completamente diferentes. Além disto, como já foi dito inúmeras vezes, cinema e HQs são universos distintos e independentes.
Considerada um lance de ousadia e recebida com aplausos por boa parte da crítica especializada, a mudança no tom do humor do protagonista foi uma das coisas que mais me incomodaram. Ao longo de dois filmes solos, “Thor” e “Thor: O Mundo Sombrio”, lançados em 2011 e 2013, e de outras tantas participações em películas do “Universo Marvel”, o Deus do Trovão, interpretado competentemente por Chris Hemsworth, foi apresentado como alguém de personalidade séria, meio bufão, de vez em quando, em função do fato de ser uma divindade, contudo, nunca como alguém capaz de fazer piadas ou soltar tiradas engraçadinhas de cinco em cinco minutos – se nos gibis ele é assim, não sei, mas lembrem-se do que escrevi lá em cima sobre a independência dos universos. E a questão é: durante este tempo todo, construíram o personagem de um jeito específico e, mal ou bem, fez sucesso. Logo, mudá-lo repentinamente, sem um embasamento que justifique, soa inverossímil e quase como uma traição.
Na nova história de Thor, versão “Deadpool” ou “Guardiões da Galáxia”, heróis que de antemão nos foram apresentados como brincalhões contumazes, encontramos o Filho de Odin em uma enrascada de difícil solução: aprisionado por Surtur (Clancy Brown), o Deus do Fogo que, tanto na mitologia nórdica como na Marvel, ambiciona cobrir os nove mundos de chamas e provocar o ragnarok (algo como o apocalipse) de Asgard. Tal explosivo encontro, no entanto, é apenas a ponta do iceberg do roteiro de Eric Pearson, Craig Kyle e Christopher Yost que dá voltas enormes, recorre a diversos personagens aqui desnecessários (vide Doutor Estranho), até chegar naquele que prometia ser o grande duelo: o embate com Hela (Cate Blanchett), a Deusa da Morte, irmã de Thor e Loki (Tom Hiddleston). Percorridos inúmeros quilômetros de tramas e subtramas, o espectador que se guia somente pelos filmes, a esta altura, estará completamente perdido. E o samba do asgardiano doido não para por aí.
Antes do fratricídio entre Thor, Loki e Hela, que se revelará um autêntico anticlímax desprovido do charme de outras batalhas mostradas nos longas anteriores, a história dá um pulo até Sakaar, planeta governado pelo Grão-Mestre (Jeff Goldblum). Lá, esta criatura, que é um dos anciões do universo, promove uma espécie de UFC bizarro: o perdedor, invariavelmente, morre. É lá, também, que são introduzidos os dois melhores personagens do longa-metragem: Hulk (Mark Ruffalo) e Valquíria, vivida pela excelente atriz Tessa Thompson, uma guerreira asgardiana desgarrada. O primeiro está ali desde o encerramento de “Vingadores: Era de Ultron” (2015) e é o campeão do vale-tudo local; enquanto ela, quase sempre bêbada, trabalha como caçadora de recompensas à procura de novos lutadores. Eles são os únicos alívios cômicos que se salvam neste surubandê e sustentam bem a trama quando esta foca neles, já que o caricato Goldblum me fez gostar um pouco do detestável Dana White (o chefe do UFC).
Encaminhado o desfecho, algo que, com um bom trabalho de edição, poderia ter sido feito em menos tempo do que os 130 minutos estabelecidos no corte final, Thor: Ragnarok recorre a uma solução simplista e pouco crível, por tudo o que foi mostrado anteriormente no próprio filme, quando o embate entre irmãos chega a um impasse. Para não dar spoilers, vou fazer uma analogia futebolística: é possível que a Venezuela derrote o Brasil quando esta não consegue nem vencer o Chile, que é mais fraco? Não entenderam, vejam o longa e prestem atenção, pois, mal comparando, é isto que acontece. De resto, tenho certeza que, neste momento, ao me xingar, alguém está perguntando sobre os efeitos especiais. Sim, eles são belíssimos e produzem ótimos instantes, como quando Hela adentra o panteão dos heróis de Asgard e invoca seu exército de mortos-vivos. Contudo, isto não é mais do que a obrigação em uma produção orçada em US$ 180 milhões e muito pouco para uma obra tão grandiloquente.
Desliguem os celulares e boa diversão, se o ragnarok deixar.
Em tempo: Há duas cenas pós créditos. Uma completamente desnecessária.
Curiosidade: a pequena participação de Odin (Anthony Hopkins), estranhamente, remete à “Star Wars”. Não acreditam? So vendo para crer, então.
::: TRAILER
::: FOTOS
::: FICHA TÉCNICA
Título original: Thor: Ragnarok
Direção: Taika Waititi
Roteiro: Craig Kyle, Christopher Yost
Elenco: Chris Hemsworth, Tom Hiddleston, Cate Blanchett, Idris Elba, Jeff Goldblum, Tessa Thompson, Karl Urban, Mark Ruffalo, Anthony Hopkins, Benedict Cumberbatch
Distribuição: Disney
Data de estreia: qui, 26/10/17
País: Estados Unidos
Gênero: ação
Ano de produção: 2017
Classificação: 12 anos