CRÍTICA | ‘Todas As Canções de Amor’ resgata sentimentos através da música
Giovanna Landucci
Você irá cantar Todas As Canções de Amor com os dois casais e com uma fita cassete que eles colocam para tocar. Uma mesma fita, um mesmo apartamento, em épocas diferentes. Com aproximadamente vinte anos de diferença, esses dois casais vivem – e viveram – histórias muito parecidas. Ana (Marina Ruy Barbosa) e Chico (Bruno Gagliasso), recém-casados, acabaram de se mudar. Os móveis ainda embalados e não posicionados pela casa demonstram isso. Mexendo em um dos armários, encontram uma velha vitrola, que possui, além do toca-discos de vinil, a “portinha” para colocar as fitas e ouvi-las. Por ser bem jovem, ela acha bem curioso esse artefato e brinca com Chico perguntando “o que que é isso?”, com ar de estranhamento dizendo que “deve ser da época dele”…
42ª Mostra de SP divulga vencedores: ‘Toda as Canções de Amor’ ganha prêmio de melhor filme
O belo filme dirigido por Joana Mariani inicia com um plano de câmera bem fechado nos corpos de cada um do casal, demonstrando que estão em clima de romance e, ao som de uma voz bem conhecida, ouvimos “De todo meu amor serei atento…” na voz da maravilhosa Gal Costa e o poema chamado “Soneto da Fidelidade”, de Vinicius de Morais. Como diz o título, o filme é repleto de canções românticas e/ou melodramáticas que retratam o começo e o fim de relacionamentos, como é maravilhoso o amor que, mesmo quando acaba, deixa uma bela história para traz. E essa é a verdadeira mensagem do longa: que o amor sempre será maior do que qualquer coisa.
42ª Mostra de SP: 42ª Mostra de SP | 25 filmes voltam a ser exibidos durante repescagem
Todas As Canções de Amor conta duas histórias com linhas temporais diferentes contadas sob uma mesma ótica: as músicas contidas na fita cassete, que poderíamos dizer ser a protagonista da trama, pois esta motiva Ana a contar a história de Clarisse (Luíza Mariani) e Daniel (Júlio Andrade). Ela é escritora e se vê envolvida em devaneios, mas que, ao mesmo tempo, a fazem escrever esse romance, pois a fita com as músicas começa a mover sentimentos dentro de si própria que refletem seu próprio relacionamento com Chico e acabam por fazê-la se inspirar novamente a retomar sua carreira.
42ª Mostra de SP: CRÍTICA | ‘O Grande Circo Místico’ não corresponde à expectativa de um indicado ao Oscar
Com um pouco de desdém, Chico se vê entediado com toda essa dedicação de Ana, pois ela não dedica a mesma intensidade a seu relacionamento e demonstra não se importar com as pequenas coisas que envolvem o dia a dia do casal, como, por exemplo, arrumar os móveis da casa e organizar o que ainda está embalado, já que ele trabalha o dia inteiro e chega tarde. Um dos conflitos gerados durante a trama é justamente isso: quando há o questionamento (por parte dela) sobre o que o marido pensa a respeito do trabalho de casa. O espectador, em muitos momentos, poderá se enxergar na tela, pois quem nunca passou por um novo relacionamento onde ambos estão conhecendo seus limites ou um grande término que deixa lembranças doídas e muitas diferenças?
42ª Mostra de SP: CRÍTICA | Spike Lee detona com mensagem política e social em ‘Infiltrado na Klan’
Todas As Canções de Amor traz um texto doce, com diálogos rápidos e interessantes, interposição entre os dois casais (mesmo estando em épocas diferentes) e construções de cenas de maneira impecável. Um filme que carrega uma bela fotografia, que traz uma melancolia do casal dos anos 80/90 e a jovialidade de um casal recém-casado. Apesar das situações vividas entre os dois casais serem completamente opostas, eles têm muito em comum entre si devido aos seus questionamentos serem parecidos. O ótimo roteiro brinda a todos nós com as junções deles, onde uma cena começa, a outra termina. Canções como “Eu sei que Vou te Amar”, “ O Mundo é um Moinho” e “Acontece” também agradarão ao público, visto que ajudam a contar ambas as histórias e passear pela vida dos casais. Toda a poesia ficou por conta do repertório de músicas escolhidas a dedo por Maria Gadu, que passeou perfeitamente por diversas canções consagradas, fazendo uma verdadeira homenagem à MPB. Ao ouvir ou gravar essas músicas, as narrativas se fundem de maneira natural. Ana, de um lado, vai tentando através do som que ouve tentar decodificar o que se passou com Clarisse e Daniel. Clarisse, por sua vez, se sente solitária e abandonada por Daniel e grava os áudios que representam do início ao término do relacionamento dos dois. Essa é a temática que leva a Ana escrever sobre o casal, pois ela também anda se sentindo solitária no apartamento, o que gera bastante conflitos e questionamentos internos na personagem.
42ª Mostra de SP:CRÍTICA | ‘Vida Selvagem’ retrata reações humanas aos conflitos que fogem do controle
Como Ana não tem mais nenhuma informação sobre o paradeiro dos dois, que se tornam personagens de seu futuro livro, isso faz com que o espectador se pergunte se as cenas com Clarisse e Daniel são obra da imaginação fértil de uma jovem garota ou se realmente aconteceram, inclusive porque o cinéfilo acompanha e vivencia tudo o que é contado sobre ambos, já que tudo é encenado. Tal possibilidade faz com essa trama traga uma dualidade muito interessante e que, de maneira intensa e gostosa, brinca com o irreal e o real de maneira graciosa.
42ª Mostra de SP: CRÍTICA | ‘A Casa que Jack Construiu’ é brutal. Em todos os sentidos
As cenas foram tão bem construídas que é muito fácil distinguir os anos 90 do tempo atual pelo uso de cores, sombreamentos, decoração do apartamento, figurinos, luz e fotografia utilizados. Os planos e enquadramentos também diferenciam as duas tomadas que funcionam como pequenas esquetes que se entrelaçam em diversos momentos. O uso de tons frios e quentes demonstram toda a dualidade que mencionei anteriormente. Os diálogos se complementam e, mesmo com anos de diferença, pode-se fazer essa interposição com naturalidade. Todas as Canções de Amor é um retrato perfeito do ótimo hall de filmes que o cinema brasileiro vem nos agraciando.