CRÍTICA | ‘Túmulos Sem Nome’ aborda rito de passagem dos mortos no Camboja com sensibilidade
Giovanna Landucci
Túmulos sem Nome (Les Tombeaux Sans Noms) é um documentário criado de maneira divina. Sim, divina porque trata de maneira delicada sobre um assunto muito sério: os resquícios de uma guerra civil que levou muitas pessoas à morte e, para fazer a passagem dessas almas ou se comunicar tentando saber como estão no além tumulo, ele vai a alguns aldeões do Camboja e registra todos os ritos e histórias.
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A guerra civil cambojana foi um conflito que envolveu as forças armadas de uma partido comunista conhecido como Khmer Vermelho liderado por Pol Pot e seus aliados vietnamitas contra as forças governamentais do Camboja. Os Estados Unidos apoiaram esse conflito, ficando ao lado do partido vermelho e do Vietnã. Após cinco anos de constantes batalhas que trouxe a escassez do pais, houve a tomada do Khmer vermelho. Esse conflito, apesar de ser uma guerra civil, foi considerado parte da guerra do Vietnã que finalizou em 1978 e que também envolveu os povos vizinhos. Logo após a vitória, os “vermelhos” fizeram com que a população saísse massivamente em caráter obrigatório em direção aos campos de trabalho forçado de colheita de arroz que se assemelhavam aos campos de concentração da Alemanha Nazista e Gulags da União Soviética. Ali, torturaram e assassinaram todos que não compartilhavam de sua ideologia ou pessoas com alguma deficiência (por exemplo, quem usava óculos) ou quem sabia ler e escrever, simplesmente porque muitos do Khimes eram analfabetos e isso tudo provocou êxodo em massa de refugiados para o país vizinho Tailândia. Em 1978, o Vietnã foi reunificado após a queda de Saigon, e invadiu o Camboja em 79, terminando com o terror e violação de direitos humanos que até então estavam ocorrendo. Calcula-se que morreram de 800 mil a 2,5 milhões de pessoas em consequência de fome, doenças e campos de extermínio, mas somente em 1991 foi retomado o governo monarca parlamentar e, em 98, houve golpe de Estado que anunciou eleições livres. Atualmente, o país vive uma paz estável.
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Após a contextualização histórica, vamos para o documentário Túmulos sem Nome, que retrata a guerra com muita delicadeza, sentimento, devoção espiritual e histórias familiares. Uma criança de 13 anos que perdeu a maior parte de sua família sob o regime do Khmer vermelho embarca na procura das sepulturas de seus familiares e o que ela encontra por lá é a paz espiritual. O filme registra essa busca pela paz, tanto para quem se foi como para os sobreviventes desse regime político. Pré-indicado ao Oscar como melhor documentário pelo Camboja, o roteiro e a direção de Rithy Panh são muito bem construídos, com uma fotografia muito bonita apresentando vários contrates de cores.
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A única desvantagem do documentário é que, como são histórias reveladas aos poucos pelos familiares das vitimas da guerra, a trama acaba ficando um pouco arrastada, mas a beleza dos contos e toda a emoção empregada sobrepõem ao que poderia gerar certo incômodo a quem assiste. Com 115 minutos de duração, o filme passa pelas crenças espirituais locais e rituais feitos pela comunidade.
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O que é fácil de se identificar é uma semelhança nos rituais realizados pelos familiares das vítimas cambojanas com outras religiões e crenças espalhadas pelo lado oriental do mundo. Os continentes asiático e africano possuem muitas especificações em comum que podem ser notadas durante a exibição do documentário, que se utiliza de uma profundidade de olhar emocional para contar as histórias de cada família que perdeu seus entes queridos e tanto querem fazer um rito de passagem como trazer esperança de que estas almas estão bem e que encontraram outros familiares por lá.
::: TRAILER
::: FICHA TÉCNICA
Título original: Les Tombeaux Sans Noms / Graves Without a Name
Direção: Rithy Panh
Elenco: Rithy Panh, Randal Douc
Distribuição: Mostra de SP
Data de estreia: em breve
País: Camboja, França
Gênero: documentário
Duração: 115 minutos
Ano de produção: 2018
Classificação: 16 anos