CRÍTICA | Todos os elogios são poucos para ‘Tungstênio’
Wilson Spiler
Baseado na excelente HQ de Marcello Quintanilha, Tungstênio talvez seja uma das mais fiéis adaptações de quadrinhos já feitas não só no cinema brasileiro. Tão forte quanto a obra literária, o filme de Heitor Dhalia, que estreou nesta quinta-feira, 21, em circuito nacional, tem tantos aspectos positivos que fica difícil enumerar todos, mas vamos tentar.
Tungstênio é focado, basicamente, em quatro personagens: Richard (Fabrício Boliveira), Keira (Samira Carvalho), Seu Ney (José Dumont) e Caju (Wesley Guimarães). Além disso, a produção toda gira em cerca de dois, três cenários quase inteiramente – salvo exceções – explorando a faceta crua e real de Salvador, na Bahia, sem qualquer tipo de esteriótipo e preconceito. São quatro histórias diferentes, mas interligadas, que expõem na tela os erros de cada relação humana, onde nenhum herói é perfeito e nem todo vilão é tão cruel.
Richard (Fabrício Boliveira), é um policial que atua movido por seus instintos, custe o que isso custar, uma espécie de anti-herói que vive toda a agressividade da profissão, intensificada pela criminalidade presente nos grandes centros urbanos. Ele vive um caloroso romance com Keira (Samira Carvalho), mas a hostilidade do seu mundo chega também ao seu lar, transformando sua vida profissional e pessoal em um verdadeiro caos. Ela, por sua vez, ameaça o tempo todo abandonar o marido, mas não o faz porque, segundo a própria, ainda não tem emprego que a deixe independente o suficiente para se sustentar sozinha. Do outro lado, Seu Ney (José Dumont) é um ex-sargento do Exército, saudoso de sua vida na caserna e sedento pela época em que os militares eram os donos do pedaço. Enquanto Caju (Wesley Guimarães) é um pequeno traficante cujo principal interesse é sobreviver mais um dia.
A história começa quando dois pescadores (Pedro Wagner e Sérgio Laurentino) começam a utilizar explosivos para pescar na orla da capital baiana. Seu Ney, um sargento do Exército aposentado, decide acabar com esse crime ambiental com as próprias mãos e envolve Caju. O jovem, um traficante de “meia tigela”, por sua vez, é obrigado a acionar um policial que foi “camarada” com ele em certa oportunidade, justamente Richard, que vive uma relação conflituosa sua esposa Keira.
Embora o roteiro de Tungstênio seja aparentemente banal, as atuações são tão espetaculares e a mão do diretor Heitor Dhalia é tão presente em cada frame que o filme não deixa o espectador respirar. Os takes, ângulos escolhidos pelo cineasta são de uma felicidade ímpar. Repare na foto abaixo: imagine essa cena, aliada a um trabalho de som impecável e uma direção de arte fabulosa. O impacto é sem igual.
Como disse acima, todos os elogios são poucos para Tungstênio. Em boa parte, o filme usa o característico som do berimbau para dar o tom das cenas. A História diz que o instrumento foi levado pelos escravos angolanos para o Brasil, o que, por si só, já diz muito sobre sua representatividade para a película. O longa-metragem aborda temáticas atuais importantes como o racismo enraizado em nosso país, a exclusão social e o autoritarismo militar que muitos querem ver de volta (até pela falta de estudos) após tantos escândalos de corrupção.
Mas, talvez a questão mais forte que o filme trata é a do feminismo. Keira é uma mulher forte, que embora “se conforme” com a relação ruim que tem com Richard por falta da independência financeira, se rebela e enfrenta seu marido, o que causa espanto dele. Sua transformação durante a projeção é nítida. Mas seus sentimentos internos também são conflituosos. Embora ela mesma diga que não o ama em voz alta e clara para a amiga, quando fica sozinha, a própria assume o alívio de poder ser quem é de verdade e aceitar que o carinho não foi embora. Sim, a raiva está ali, o que não anula o outro sentimento. São coisas que o coração não explica, só sente, e ninguém pode julgar. O final pode deixar algumas mulheres insatisfeitas – ou não – nesse quesito, o que não diminui em nada a qualidade da produção.
Tungstênio vai num ritmo desenfreado. A escalada da tensão conduz a relação emissor-receptor à negação dos próprios sentimentos. Em uma busca desenfreada por escolher os caminhos que lhes pareçam mais corretos, os personagens, inevitavelmente, enfrentam conflitos pessoais diante da impossibilidade de seguir à risca suas escolhas racionais. Volto a elogiar porque vale a pena: a direção de arte é um espetáculo à parte. A fotografia também vale o ingresso, assim como cada atuação. O final é angustiante e o desfecho tem um plot twist dos mais interessantes, onde lembra o início da resenha: não existe o herói perfeito e nem todo vilão é tão cruel.
::: TRAILER
::: FOTOS
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::: FICHA TÉCNICA
Direção: Heitor Dhalia
Elenco: Fabrício Boliveira, Samira Carvalho, José Dumont, Wesley Guimarães
Distribuição: Pagu Pictures
Data de estreia: qui, 21/06/18
País: Brasil
Gênero: drama
Ano de produção: 2017
Classificação: 16 anos