CRÍTICA | ‘Uma Noite em Sampa’: Um filme onde nada acontece

Bruno Giacobbo

Com a cosmopolita São Paulo de pano de fundo, o cineasta paulistano Ugo Giorgetti construiu uma história de sucesso ao longo de mais de 40 anos de carreira. Entre longas e curtas, rodou 13 filmes, um número relativamente baixo perto de certos medalhões que chegam a produzir uma obra por ano, e conquistou diversos prêmios. Entre suas láureas mais importantes estão os Kikitos de melhor filme e roteiro no Festival de Gramado de 1990. Alguns de seus trabalhos balizares, “Festa” (1989) e “Sábado” (1995), possuem outra característica comum: o uso de um único cenário. Além de conferir um ar teatral, tal recurso reduz o orçamento e facilita o controle do processo de produção. Em seu novo filme, Uma Noite em Sampa, o diretor voltou a utilizar apenas uma locação: um trecho da Rua dos Ingleses, no Bixiga, que fica em frente ao Teatro Ruth Escobar. Contudo, aqui, a metrópole abandona o papel ilustrativo que sempre desempenhou para ocupar o posto de protagonista. Uma boa jogada, mas que não funcionou.

A trama mostra uma noite na vida de um grupo de paulistanos que deixou a cidade grande para viver no interior, longe da violência urbana. Eles estão de passagem por São Paulo para ir ao teatro e jantar. Tudo com o conforto e a segurança que uma excursão pode proporcionar. No entanto, ao término da peça, eles se deparam com uma surpresa desagradável: o ônibus está fechado e o motorista simplesmente desapareceu. A partir daí, aqueles homens e mulheres começam a discutir: o que fazer? A ideia mais óbvia, telefonar e pedir ajuda, não pode ser posta em prática, pois todos os celulares estão dentro da condução. Desta forma, imersos na escuridão que toma conta das ruas e congelados pelo frio característico de Sampa, eles paralisam. Ficam sem reação. Todavia, o que de fato congela e paralisa a (quase) todos é, justamente, o que os fez correr para o campo: o pavor da violência. É assim que a metrópole se sobrepõe aos demais personagens e vira protagonista.

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A intenção de Giorgetti era boa. A paranoia em relação à violência urbana está tão disseminada que, às vezes, enxergamos perigo em qualquer coisa. Com o intuito de alimentar isto, os diálogos, escritos pelo diretor, usam e abusam de preconceitos batidos contra pedintes, motoqueiros e maconheiros. Só que eles são risíveis e endossados por atuações caricatas: há o ex-policial que continua a agir como tira e o político, sósia do padre Fábio de Melo, que trouxe cartões para distribuir na viagem. Além disto, existe uma particularidade que passará batida para muita gente, mas não para paulistanos ou quem já morou por lá. O local onde a (falta de) ação se desenrola fica a dois minutos da Brigadeiro (a da São Silvestre), a cinco de pelo menos dez cantinas que funcionam até bem tarde e a dez da Paulista. Em qualquer um destes lugares é possível, noite ou dia, pedir ajuda. Este conjunto de coisas estraga a premissa e torna o medo geral irreal demais. Logo, o único personagem sensato é uma senhora cega que, por não ver, não se deixa paralisar pelo pavor.

Uma Noite em Sampa tem, ainda, outra particularidade, esta, digamos, bizarra: alguns dos excursionistas são manequins. Sim, manequins vestidos como gente e tratados como pessoas de verdade. Uma senhora chama um destes bonecos de Lúcio e diz que estão ali para comemorar 25 anos de casados. Já um rapaz só se refere à sua ‘esposa’ pelo nome de Heleninha. O tempo todo ele pede para que ela não saia de onde está. E, claro, Heleninha não vai a lugar nenhum. Em uma entrevista, durante as filmagens, Giorgetti disse o seguinte: “O filme é essencialmente isto, uma espera por algo que não vem”. Infelizmente, sou obrigado a concordar. São 73 minutos sem nada acontecer, em que o público fica esperando a história pegar no tranco e esta não pega. No fim, quando a tela escureceu e os créditos subiram, após um final inusitado, a única coisa que veio a minha cabeça foi a melhor fala do longa-metragem, dita por um pedinte: “Fechou”.

Desliguem os celulares.

FICHA TÉCNICA

Distribuição: O2 Play
Data de estreia: qui, 26/05/16
País:  Brasil
Gênero: comédia
Ano de produção: 2016
Duração: 75 minutos
Classificação: 12 anos
Direção: Ugo Giorgetti
Roteiro: Ugo Giorgetti
Elenco: Otávio Augusto, Cris Couto, Siomara Schröder

Bruno Giacobbo

Um dos últimos românticos, vivo à procura de um lugar chamado Notting Hill, mas começo a desconfiar que ele só existe mesmo nos filmes e na imaginação dos grandes roteiristas. Acredito que o cinema brasileiro é o melhor do mundo e defendo que a Boca do Lixo foi a nossa Nova Hollywood. Apesar das agruras da vida, sou feliz como um italiano quando sabe que terá amor e vinho.
NAN