Crítica de Filme | Jauja
Maria Clara Garcia
“Os povos antigos diziam que Jauja era uma terra mitológica de abundância e felicidade. Diversas expedições tentaram encontrar o lugar para comprovar a lenda, que com o tempo cresceu de forma desproporcional. A única certeza que se tem é que todos os que tentaram encontrar este paraíso na terra se perderam pelo caminho”.
Nos primeiros minutos do quinto longa metragem do argentino Lisandro Alonso, uma certeza vem à mente: Jauja é um filme para poucos. O primeiro estranhamento é quase imediato, causado pela uso da razão de aspecto 4:3, característica dos primeiros filmes da história do cinema. Esclarecendo: razão de aspecto é a proporção entre as duas dimensões – largura e altura – da imagem bidimensional. A razão 4:3, portanto, confere a película um formato quase quadrado (non-widescreen), muito diferente do formato “tela cheia” característico da maior parte das produções cinematográficas atuais. E essa é só uma das várias razões que tornam o filme uma obra única, fato que foi reconhecido na mostra “Um certo olhar” do Festival de Cannes 2014, no qual o filme venceu o prêmio FIPRESCI (concedido pela Federação Internacional de Críticos de Cinema).
Abordar a sinopse do filme é quase uma injustiça com o leitor. Me explico: em uma descrição tradicional, fica difícil compreender o que torna Jauja tão peculiar. Mesmo assim, é necessário o esforço: Capitão dinamarquês (Viggo Mortensen, que também é um dos produtores da obra) e sua filha viajam para a Patagônia no século XIX, período da conquista do deserto argentino. A jovem foge com um soldado, e seu pai inicia uma jornada em sua procura, ameaçado por um temível coronel rebelde. A partir daí, o deserto passa a servir de metáfora para a solidão do protagonista que, além da filha, busca – ou involuntariamente encontra – um sentido maior para sua existência.
A questão é que todos esses elementos são filmados majoritariamente em planos longos, com a câmera parada e pouquíssimos diálogos. Por isso as imagens de Jauja muitas vezes remetem a pinturas, gerando belíssimos quadros que permanecerão nas retinas após o fim do filme. Ao longo de todo a obra, uma atmosfera surrealista e fantástica é criada, tanto pela fotografia quanto pelo uso de outros recursos: a exploração da imensidão do deserto e sua paisagem quase lunar, a estranheza do uso de roupas de época em ambiente tão atemporal (o filme se passa em 1882, dado que não fica explícito em nenhum momento ao longo da produção), a quase ausente trilha sonora – e o impacto que a música quando se faz presente – entre outros.
Se durante a maior parte do tempo acompanhamos a odisseia do protagonista em ritmo bastante lento (por vezes até monótono, o que talvez seja o maior problema da obra), o encontro com uma velha misteriosa muda completamente seu destino – e o do filme. É aí que a proposta “mágica” de Jauja se evidencia, em uma reviravolta que remete a um “Alice no País das Maravilhas” mais reflexivo. Como já foi dito no início, não é um filme que agradará a todos, e sua conclusão só reafirma essa peculiaridade. Entretanto, aqueles que estão dispostos a conhecer diferentes propostas cinematográficas podem encontrar em Jauja o paraíso mitológico que estavam a buscar.
FICHA TÉCNICA
Direção: Lisandro Alonso
Produção: Fabián Casas e Lisandro Alonso
Direção de Fotografia: Timo Salminen
Direção de Produção: Micaela Buye
Direção de Arte: Sebastian Roses
Edicción: Natália Lopez e Gonzalo del Val
Elenco: Viggo Mortensen, Ghuita Nörby, Viilbjork Agger Malling, Adrian Fondari