RESENHA | ‘DEADLY CLASS’ de Rick Remender e Wes Craig
Eduardo Cruz
Antes de começarmos, gostaria que você respondesse um pequeno teste. Durante sua adolescência você:
( ) Já fez dramalhão por um problema frívolo;
( ) Já foi enrolado(a) / enganado(a) por um(a) crush;
( ) Já ficou com alguém que você nem queria ficar e até chegou a se arrepender;
( ) Já ficou com alguém por vingança ou despeito;
( ) Já bebeu até perder os sentidos (e provavelmente foi zoados pelos amigos);
( ) Já achou que ninguém nunca iria te querer e você morreria sozinho(a);
( ) Já quebrou a cara confiando em amizades que decepcionaram;
( ) Já desapontou amigos e por pura birra não voltou atrás;
( ) Já ficou de saco cheio da porra toda, com vontade de fugir de casa, da escola, do planeta;
( ) Já se sentiu feio(a) e extremamente inadequado(a).
Se você marcou pelo menos duas dessas acima, parabéns, você teve uma adolescência perfeitamente normal, e além disso, está apto(a) para ler – e provavelmente curtir muito – Deadly Class! A HQ começou a ser publicada esse ano pela Devir, e eu deveria aqui falar um pouco sobre a qualidade da edição, acabamento gráfico, tradução, qualidade do papel, etc, mas não saberia opinar sobre nada disso porque tenho aproveitado algumas promoções de importados que pipocam aqui e ali, e acabei acompanhando a série pelos encadernados gringos – mais baratos do que a edição nacional – , então nesse post vou me ater apenas à obra em si, que lá fora já se encontra na oitava compilação. Mas confiem nesse que vos fala, que já chegou ao quinto volume e afirma: É uma das melhores histórias em quadrinhos em publicação atualmente!
Reagan Youth – Reagan Youth (O título do primeiro encadernado)
Já vou começar essa resenha marretando na comparação mais óbvia: Deadly Class é uma espécie deClube dos Cinco, o filme mais popular e cultuado do diretor John Hughes, o cara que definiu as comédias (e os dramas) teen na década de 80. Mas para além dessa comparação, Deadly Class é ainda mais do que uma mera homenagem. Mais do que reverenciar a um filme oitentista icônico (inclusive o quinto episódio da série live action é uma homenagem DESCARADA a Clube dos Cinco!), é também uma HQ acima da média e com bastante originalidade dentro de sua própria mídia. A comparação inevitável é facilmente justificada: Ambas as obras tratam da vida escolar na adolescência e a chegada da maturidade (e todos os erros que podem ser cometidos até isso acontecer – quando acontece rs). A diferença é que em Deadly Class os estudantes se matam DE VERDADE.
O Clube dos Cinco (The Breakfast Club 1985)
https://youtu.be/ifq24lljbQM
Adolescents – Kids of the Black Hole
Em Deadly Class acompanhamos os alunos da King’s Dominion Atelier of Deadly Arts, uma escola diferente das outras, que ministra aulas como Combate Não Convencional, Produção e Administração de Venenos, Fundamentos da Psicopatia, Uso de Zarabatana, entre outras disciplinas bastante específicas. A finalidade da escola é muito mais do que educar os filhos dos chefes dos sindicatos do crime organizado de todo o mundo. A instituição foi originalmente concebida com um objetivo bastante subversivo: Formar assassinos, anarquistas e desordeiros sim, porém com o intuito de fazer com que “o camponês possa se levantar contra seus senhores abusivos, dando ao Zé Ninguém uma chance de nivelar as coisas”, nas palavras de Mestre Lin, diretor da escola. A trama se passa em São Francisco no ano de 1987 e vemos o jovem Marcus Lopez Arguello, que perdeu os pais devido a um acidente bizarro acarretado por uma medida do então presidente Ronald Reagan, sendo admitido na King’s Dominion. Diferente da maioria dos alunos, ele não tem um legado, ou sejE, seus pais não eram líderes de facções criminosas. Na King’s Dominion estes alunos são conhecidos como “ratos”. Os mais impopulares entre os impopulares.
Aqui, mais do que se preocupar (apenas) com popularidade ou com os bullies, os alunos precisam se preocupar com as panelinhas: Filhotes de Yakuzas, de russos comunistas, do cartel mexicano, de Gangstas de Los Angeles, de mafiosos de New Jersey, de rednecks white power ou até mesmo filhos de membros da CIA. Marcus não se enquadra em nenhum dos grupos nessa panela de pressão em ebulição, o que torna sua sobrevivência na escola ainda mais difícil do que o normal. Motivado a se vingar pela perda dos pais, será que ele vai conseguir realizar seu objetivo de se formar e matar o presidente Reagan antes de ele próprio ser eliminado?
Agora, sei que vocês devem estar pensando que essa é mais uma série de adolescentes fodões altamente treinados que matam exércitos inteiros só com uma faca, mas não é o caso aqui. Lembrem-se que os alunos da King’s Dominion são adolescentes. Garotos(as).
Pensem em todas as garoteadas e vacilos que vocês deram dos 14 aos 20 anos e multipliquem por dez, adicionando metralhadoras, venenos, explosivos e katanas no meio. Todos os elementos típicos de uma adolescência cheia de sofrências (a maioria frívolas, mesmo para os alunos dessa escola barra pesada), todos os clichês e dramas adolescentes são representados de forma muito natural pelo texto de Remender, com o melhor complemento possível: a arte de Wes Craig. Com um traço dinâmico que confere uma vibe única à história, Craig é um excelente fisionomista, construindo dezenas de personagens diversos entre si, mas o que realmente faz cair o cu da bunda são as composições de certas páginas, riquíssimas em detalhes. Ah, além disso Craig ilustra uma viagem de ácido como poucos rs.
Homenagem ao falecido Frank Miller detected! |
Deadly Live Action!
Deadly Class foi adaptada para a TV com distribuição da Sony Pictures Television, e enquanto vocês lêem este texto, a primeira temporada já se encaminha para seu final. A série é exibida lá fora pelo canal Syfy e, apesar das necessárias e inevitáveis adaptações, o material original foi preservado em sua grande parte, e o que foi alterado não compromete: Diferente de Preacher, por exemplo, que difere da HQ ao ponto de ser completamente descaracterizada em pontos chave, o live action de Deadly Class chega em muitos momentos até mesmo a complementar a trama da HQ original! Sim, vemos mais das aulas bizarras, cenas de ação tão bem produzidas quanto as retratadas na HQ e o desenvolvimento dos personagens, o tempo de tela de cada um, muito bem distribuído, o que faz com que não seja uma daquelas séries morosas de assistir, onde não acontece quase nada em 45 minutos de episódio. Além disso, a série tem o tom um pouco mais sombrio do que a HQ, que tinha muitos momentos à la John Hughes, mas sem perder o humor em certos momentos… Sendo direto e reto, ficou tão bom quanto o material original, o que não é nenhuma surpresa, visto que o próprio Remender está envolvido nos roteiros e na produção. Além disso, os irmãos Russo (da série Community, Capitão América: Guerra Civil (2016), Vingadores: Guerra Infinita (2018) eVingadores: Ultimato (2019)) também têm um dedo nessa série. Ou sejE, está tudo em boas mãos.
E é isso aí pe-pe-pe-pe-pessoal! Não canso de ficar surpreso com como a Image consegue publicar material muito superior à Vertigo atualmente. Se eu tivesse que escolher entre dar uma chance a uma série nova da Image ou uma da Vertigo, tipo Sala Imaculada ou Os Nomes, daria novamente esse tiro no escuro, que foi exatamente como vim a descobrir Deadly Class. E não me arrependi.
Eu só queria um pretexto pra botar ‘Love Like Blood’ do Killing Joke pra tocar em um post desde que começamos o blog. Senhor Remender, obrigado por me dar essa desculpa batizando o sétimo encadernado com o título de uma das músicas mais fodas dos ricos anos 80!