Dia do Cinema Brasileiro | 10 bons filmes nacionais da década
Alvaro Tallarico
*Com colaboração especial de Bruno Giacobbo (nos três últimos filmes)
Salve o cinema nacional, tão subestimado por muitos, motivo de chacota pelos falsos eruditos. Talento é o que não falta nesse país. É só querer ver e estimular. No Dia do Cinema Brasileiro, separamos 10 bons filmes nacionais que foram produzidos nesta década, provando o que dissemos anteriormente. Confira:
O Processo (2018)
O documentário “O Processo” não usa entrevistas. Além disso, mostra, buscando um distanciamento, os bastidores da política e das situações que culminaram com o impeachment da presidenta Dilma Rousseff em 31 de agosto de 2016. A documentarista Maria Augusta Ramos tinha cerca de 450 horas de filmagens. O legal é que Dilma não é a personagem principal. Vemos muitos políticos como José Eduardo Cardozo, Gleisi Hoffmann, Lindbergh Farias, Janaína Paschoal aparecendo muito mais. Passamos também pela Lava-Jato, bem como Eduardo Cunha, Aécio Neves, Michel Temer, assim como os impressionantes votos dos congressistas com aquelas argumentações : “em nome da família, da minha esposa, dos meus netos, do meu cachorro”. Em ordem cronológica, acompanhamos como esse circo se forma. O Brasil parece uma pintura de Salvador Dalí.
São 137 minutos cheios de termos técnicos e jurídicos. Não é um filme fácil, mas passa rápido. Podemos ouvir vários lados, discussões distintas dentro do cenário. Tem uma toada progressista. E, ainda mais agora, com essas polêmicas em torno da Operação Lava-Jato, a relevância do filme só aumenta. Visto que podemos ver melhor porque estamos onde estamos.
Slam: Voz de Levante (2017)
Uma competição onde a arma é a voz. Coisa boa, né? Nada vai te matar, talvez só ferir seu orgulho, chacoalhar seu eco e trazer reflexão.
O documentário dirigido e roteirizado por Tatiana Lohmann e Roberta Estrela D’Alva, do Núcleo Bartolomeu de Depoimentos (primeira companhia de teatro hip-hop do Brasil), procura explicar a origem e a estrutura dos poetry slams (batalhas de poesias) ao redor do mundo. Acompanhamos histórias que mostram esse estilo de poesia como ferramenta de transformação na vida de jovens da periferia. Uma chuva de sentimentos, críticas políticas, relatos de injustiças sociais e talento.
Tem bastante informação e muitas locações distintas. Entretanto, o filme mantém uma montagem dinâmica, a qual perfeitamente combina com o tema. Além disso, é bom para assistir e absorver o aprendizado de que as palavras têm força.
Uma Noite em 67 (2010)
A música brasileira é uma maravilha. Uma mescla de influências, como o próprio povo desse país. Neste documentário de Renato Terra e Ricardo Calil, de estilo simples, temos a final do III Festival da Música Popular Brasileira da TV Record, em 21 de outubro de 1967. Os competidores? Chico Buarque de Holanda, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Mutantes, Roberto Carlos, Edu Lobo, Sérgio Ricardo. Músicas geniais como “Roda Viva”, “Alegria, Alegria” e “Domingo no Parque” estão ali. A partir de imagens de arquivo e apresentações, vemos a ascensão do tropicalismo, a situação política da época da ditadura e o início de ídolos.
O filme não é só para quem gosta da nata da nossa música popular brasileira. Ele é também para quem quer entender melhor o fim da década de 60. Quando, durante o regime militar, um conjunto de artistas se sobressai com uma qualidade incrível. Salve a música brasileira!
O Homem do Futuro (2011)
Uma ficção científica brasileira. Uma história de amor. Wagner Moura vive João (Zero). Um nerd, um genial cientista. Porém, traumatizado porque 20 anos atrás foi humilhado em público durante um evento e perdeu Helena (Alinne Moraes em boa atuação), seu grande amor. Contudo, João acaba descobrindo uma forma de voltar no tempo. Nisso, percebe que pode fazer algumas mudanças, o que acaba causando várias confusões.
O filme é bem divertido, Wagner Moura atua bem – só para variar – trazendo verossimilhança à história. É o cinema nacional viajando pelo tema ficção científica com eficiência. Sem precisar de efeitos especiais mirabolantes, brincando com paradoxos temporais, e tendo o amor como meta. Além disso, ainda brindando o espectador com um entretenimento bom de assistir, torcendo pelo protagonista e tomando sustos com algumas das consequências de seus atos. A trilha sonora pop, principalmente do Legião Urbana, cai como uma luva. No geral, não é um filme típico brasileiro. Bebe muito no cinema hollywoodiano, principalmente em “De Volta para o Futuro”. Talvez por isso mesmo seja interessante. Somos versáteis.
Serra Pelada (2013)
Estamos em 1980. Juliano (Juliano Cazarré) e Joaquim (Júlio Andrade) são outros dentre tantos que se empolgam com a descoberta da Serra Pelada, maior garimpo a céu aberto do mundo, no estado do Pará. Deixam São Paulo e seguem o sonho de ficarem ricos. Porém, é aquela velha frase, provérbio de grande sabedoria: “Se quer conhecer um homem, dê poder a ele”.
O filme é escrito e dirigido por Heitor Dhalia (do ótimo e recomendadíssimo “O Cheiro do Ralo”). Mostra bem como era o ambiente no meio da selva (física e psicológica). Com competência, vemos uma mistura de cenas novas e de arquivo, uma ficção em cima de um acontecimento real. “Serra Pelada” é um faroeste brasileiro, dos bons. Por outro lado, o tema ainda pede outros longas que possam lidar melhor com as questões históricas e políticas que envolveram o “Eldorado Amazônico”.
O Sal da Terra (2014)
Símbolo da fotografia mundial. O filme do cineasta Wim Wenders (do ótimo “Buena Vista Social Club”) acompanha o grande Sebastião Salgado, orgulho brasileiro, contando um pouco sobre sua carreira e apresentando o projeto “Gênesis”, expedição que visava homenagear a Terra, registrando civilizações e regiões do planeta pouco exploradas.
O “Sal da Terra” é extremamente estiloso, não tendo um formato careta. É belíssimo e contundente, como as fotos de Sebastião. Conta com codireção de Juliano Ribeiro Salgado, filho do fotógrafo, que já vinha registrando imagens das viagens ao lado do pai antes. Temos alguns depoimentos bem longos dotados de muita reflexão. Descobrimos como Sebastião foi fotógrafo esportivo e fez até nus antes de se encontrar como fotógrafo social, nos proporcionando uma obra de grande importância, possuidora muita vezes de uma beleza triste, embalada por críticas subliminares.
Aquarius (2016)
“Aquarius” tem certamente um grande elenco. Composto por Sônia Braga, Irandhir Santos, Humberto Carrão, Maeve Jinkings e mais pelo menos 50 atores. Além disso, o filme foi classificado pelo Ministério da Justiça como impróprio para menores de 18 anos após parte do elenco ter protestado contra o presidente interino, Michel Temer, durante o Festival de Cannes, na época de lançamento. Entretanto, a decisão foi alterada para 16 anos após manifestações da categoria artística.
Clara (Sonia Braga) é uma mulher firme de 65 anos, jornalista aposentada, viúva e mãe de três filhos já adultos. Mora em um apartamento na Avenida Boa Viagem, no Recife. A questão é que uma construtora já conseguiu adquirir quase todos os apartamentos do prédio, menos o dela. Clara deixa bem claro que não vai vender e acaba sofrendo ameaças e assédios.
“Aquarius” traz uma crítica à hipocrisia reinante no país. É sobre esse Brasil atual, subserviente. Utilizando a estrela maior do cinema brasileiro nos anos 1980, Sonia Braga, o que proporciona uma temática interessante. Afinal, ela já foi um símbolo sexual. O filme quebra essa expectativa, com o brinde de uma das maiores atuações de sua carreira, como um baluarte da ética, uma personagem complexa emocionalmente, independente, liberal, decidida, brasileira das boas.
Longa-metragem marcante e necessário com a eterna musa Sônia Braga.
O Animal Cordial (2017)
Do que é capaz um homem ou uma mulher quando pressionados e levados a uma situação extrema? Vocês já pararam para pensar o que fariam se fossem colocados contra a parede e forçados a agir para sobreviver? É exatamente a situação de Inácio (Murilo Benício), proprietário de um pequeno restaurante.
Um dia, perto do fim da noite, seu estabelecimento é invadido por dois assaltantes. Sem medir as consequências, ele pega uma arma no balcão e reage, colocando em risco a vida da garçonete Sara (Luciana Paes), do chef de cozinha Djair (Irandhir Santos) e de clientes como o solitário Amadeu (Ernani Moraes), o advogado Bruno (Jiddu Pinheiro) e a dondoca Verônica (Camila Morgado). Só que tudo “dá certo”, um dos bandidos é gravemente ferido e o outro rendido. Naturalmente, o próximo passo seria chamar a polícia, certo? Errado, pelo menos para o até então cordial Inácio.
Por fim, roteirista experiente e diretora de alguns curtas-metragens, Gabriela Amaral Almeida fez sua estreia em longas com este excepcional “O Animal Cordial”, uma obra capaz de despertar reações apaixonadas de defesa e de execração. Tais manifestações são completamente compreensíveis e vêm da nossa capacidade de se solidarizar ou se indignar com o que acontece a nossa volta.
As Boas Maneiras (2017)
“As Boas Maneiras”, de Marco Dutra e Juliana Rojas, vencedor do Prêmio do Júri no prestigioso Festival de Locarno, na Suíça, é um filme de lobisomem que flui de um modo único. Ana (Marjorie Estiano) está prestes a dar à luz ao seu primeiro filho. Mãe solteira, moradora de São Paulo, ela precisa de ajuda. Após uma série de entrevistas, conhece Clara (Isabel Zuaa), uma ex-estudante de enfermagem que tem como experiência profissional somente o fato de ter cuidado da avó, quando esta estava no leito de morte. Muito pouco se comparado ao currículo da candidata anterior, com quem ela cruza na sala da futura patroa.
Entretanto, durante a conversa, Ana passa mal e Clara é de uma presteza impressionante. Assim, surge uma conexão imediata entre as mulheres e ignorando o bom senso que se deve ter na hora de contratar um estranho, firmam uma parceria profissional e tal conexão, com o tempo, se transforma em uma intimidade delicada.
Escrito a partir de um sonho que de Dutra, o longa-metragem não segue o formato dos roteiros convencionais. Em resumo, não há somente uma história aqui. São, na verdade, duas. E não pensem que por se tratar de cinema nacional os efeitos especiais são toscos. Não são. O negócio é coisa de gringo, artigo de luxo para Hans Donner nenhum colocar defeito. Deu gosto e orgulho.
O Beijo no Asfalto (2018)
Quase 40 anos depois, agora pelas mãos do ator Murilo Benício, que faz sua estreia dirigindo e roteirizando para o cinema, o drama de Nelson Rodrigues ganha uma nova versão cinematográfica. A leitura e a forma como gente do quilate de Augusto Madeira dão vida às palavras da obra, mesmo que sentado e vestindo uma camiseta dos nossos tempos, são suficientemente fortes para fazer o público imaginar o alvoroço causado por um beijo, entre dois homens, em plena Praça da Bandeira, após um dia de trabalho, em 1960.
Se o filme continuasse apenas assim, eu me arriscaria a dizer que funcionaria do mesmo jeito. Acontece que eram necessárias as cenas, as tais cenas ensaiadas e empostadas. O grande público não perdoaria se elas não estivessem ali. Desta mudança advém uma qualidade enfatizada pela edição de Pablo Ribeiro: tudo acontece com fluidez. A passagem da leitura para a encenação quase não é notada.
Enfim, da concepção à realização, todo o mise en scene orquestrado por Murilo Benício é belíssimo. Ter selecionado um elenco para lá de jubiloso, temos em “O Beijo no Asfalto” algumas das melhores interpretações do cinema brasileiro em 2018, destaque para Lázaro Ramos, Stenio Garcia, Otávio Muller e para a debutante Luiza Tiso, ajudou, mas não dá para negar o seu mérito.