Diário de bordo do diretor: O Crime da Gávea (Parte I)

Colaboração

O Crime da Gávea é um longa-metragem recém-filmado pelo diretor Andre Warwar, com roteiro adaptado de Marcílio Moraes, responsável também pelo romance literário de mesmo nome. O thriller policial narra a história de Paulo, um homem que investiga a morte da própria esposa.

O filme, rodado de forma independente pela MD Produções Artísticas, está em fase de pós-produção. No elenco, nomes como Ricardo Duque, Simone Spoladore, Aline Fanju, Almir Telles, Celso Taddei, Roberto Birindelli, Sílvio Guindane e Tessy Callado.

Ainda vivendo ‘a dor e a delícia’ da concepção do primeiro longa-metragem, o diretor do filme relatou como foi o último dia de filmagem. O Blah Cultural apresenta o:

*** Diário de bordo de Andre Warwar – 25/01/2013 – Parte I***

Andre Warwar e Ricardo Duque

Andre Warwar e Ricardo Duque

Ontem, enfim, depois de mais de um mês de expectativa – a chuva não deu trégua e marcamos e remarcamos diversos dias de filmagem – conseguimos subir a Pedra Bonita para filmar a última cena do meu primeiro longa-metragem: “O Crime da Gávea”.

A equipe toda ia se reunir às 13h30 na base e de lá partiria para a trilha que leva ao topo da montanha aonde era nossa locação. Preferi ir um pouco mais cedo. Chamei o Ricardo Duque, que é o protagonista do filme, e Márcio Melges, meu fiel escudeiro, parceiro, amigo e assistente de direção. Além de me darem uma mão na subida, podíamos usar esse tempo juntos para falar sobre as cenas e sobre outros assuntos relacionados ao filme. A trilha é íngreme, com certas variações de inclinação, mas no geral é tranquila. O tempo normal de subida é de 35 minutos. Levamos mais ou menos 1 hora com paradas no caminho. O final da trilha é uma escada natural no barro, um dos trechos mais difíceis. Quando vi o clarão que indicava a chegada ao topo ainda faltavam uns 30 metros. Aquele trecho me separava da realização de um grande sonho, não só meu, mas de muitos. Alguns iam estar ali comigo, outros acompanhavam de longe a empreitada através de torpedos curtos que mandava do celular. Não tinha sido fácil chegar até ali. Aliás, “não tá fácil pra ninguém” como diria o Daniel, meu filho.
Os passos que dei para chegar até em cima foram de uma reflexão profunda dos caminhos que me fizeram chegar até ali, dos projetos, das parcerias, dos conflitos que causei, da forma apaixonada com que conduzo certos assuntos e principalmente do comprometimento e simbiose que tinha com aquela obra. Assim como Paulo, que busca em vida uma explicação lógica para a tragédia que se abateu sobre ele, o que o levou a caminhos inimagináveis, esta vontade, que me move a realizar, contar histórias através de imagens, ser “artista” e fazer sucesso, me leva a situações que muitas vezes não tem volta. Como outro protagonista, o do meu primeiro filme, que busca o reconhecimento através da ação, ali estava eu subindo aquela montanha. “O verdadeiro sucesso está nos aplausos?” diria o personagem de “A Truta”.
Chegamos ao topo exatamente às 14h55. Claro que a hora precisa é fruto do trabalho metódico do Márcio. Acho que isso vem mais do lado de físico formado que do de cineasta. Além disso, o cara é de uma seriedade e comprometimento singulares. O cara vem brincando, contando piada, respondendo às mais diversas perguntas sobre cinema, e quando começa o trabalho, só responde e fala sobre o que estamos fazendo.
Logo que chegamos, passamos rapidamente as cenas, a decupagem, o posicionamento de câmeras, e tiramos fotos de praxe, afinal, o visual era simplesmente incrível. O cume é relativamente pequeno e do alto você vê, além do rosto enigmático da esfinge da Pedra da Gávea (dizem que os Fenícios a esculpiram a milhares de anos), a Zona Sul de um lado e do outro a Barra. A grande parte das cenas era à noite e tínhamos ainda a tarde inteira pela frente para preparar. Depois desta abordagem inicial, achamos uma sombra, armamos nosso pequeno acampamento e descansamos um pouco. Logo depois recebi um telefonema da Miriam, a diretora de produção, avisando que estavam na trilha e chegariam em dez minutos. Quando desliguei, olhei para o lado e o Ricardo estava em pé, sem camisa e com cara de poucos amigos. Perguntei o que tinha acontecido e ele disse que estava tudo bem. Claro que não estava! Meus olhos treinados por anos frequentando centros espiritas deixavam aquela situação muito clara. Faltavam ainda horas para o inicio das filmagens e ele já estava “recebendo” o Paulo. Ricardo é um ator magnífico, destes que vivem a vida do personagem enquanto estão no set. Quando é o personagem que está, não falamos nada que não seja pertinente a cena. Ficamos sem conversar. Ele se isola naturalmente e peço para que ninguém o incomode. Pedi por favor, que ele não chamasse o Paulo naquela hora, pois ainda queria contar umas piadas, trocar uma ideia e daquele jeito não ia dar. Ele concordou e pediu pro Paulo ir embora.

Marcílio Moraes

Marcílio Moraes


A equipe de produção chegou em seguida. Estavam quase todos lá, meus companheiros de fé nesta aventura. Míriam Lemos, nossa diretora de produção, Lúcia Quental, diretora de arte e produtora executiva, Marcilio Moraes, o autor, Adriano Espínola Filho, assistente de produção, o Marco, nosso segurança, o grande ator Roberto Birindelli e a equipe de fotografia, capitaneada pelo João Atala. Subiram em 35 minutos cravados. Fiquei orgulhoso do Marcilio. O cara é um dramaturgo premiadíssimo, autor de sucesso na televisão, escritor consagrado, e mostra toda hora que o segredo disso, além de seu talento nato, é sua perseverança. Lutou incessantemente pelo filme, passou por milhares de momentos estressantes, e não desanimou nunca. Pelo contrário, perseverou. Estava lá.
Começamos os ensaios de câmera, marcamos todas as posições no chão, que eram por volta de 15. Lúcia providenciou sinalizações para nos locomovermos à noite, e determinou algumas regras de segurança, afinal as cenas se passavam na beira do precipício, literalmente. Fiquei pensando sobre isso um tempo. Realmente filmar ali era muito perigoso. No calor da filmagem, alguém podia se distrair e cair lá de cima. O cinema independente é um grande risco. Mas aquilo me deixou meio grilado. Será que vou cair daqui? Que apoteótico seria, épico na verdade, pra citar o Daniel. “Diretor cai do alto da Pedra depois de terminar seu primeiro filme”. Na estreia iam ler cartas, declarações, odes ao cinema e ao filme. Ia ter uma puta foto minha com cara de Glauber Rocha, pendurada em galhardetes ao lado da tela. Pensei muito nisso e achei melhor redobrar a atenção.

Tínhamos previsto filmar tudo em duas horas, tarefa digna do Ligeirinho, do coelho Ricochete, do Papa Léguas ou de qualquer um que conseguisse trancar uma gaveta com a chave dentro. Era preciso um total comprometimento da equipe, não podíamos perder tempo. Conversamos sobre isso e achamos melhor esticar a previsão para três horas de filmagens. Começamos a rodar por volta das 19h30. O céu estava uma pintura e ali fizemos o take mais bonito do filme, do ponto de vista da fotografia. Sem dúvida nenhuma. O quadro começava preenchido com uma imagem linda de nuvens em tons degrade. Uma suave panorâmica a esquerda descrevia a beleza daquele pôr do Sol, enquanto ao mesmo tempo revelava Paulo, que surgia das encostas e rapidamente ganhava o quadro no canto inferior esquerdo. Assim que terminava de subir, contemplava a vista por instantes, cruzava o quadro e parava em frente à câmera, que continuava a suave panorâmica e o enquadrava agora num close no canto direito do quadro. Paulo agora contemplava o outro lado do cume. Sua expressão mostrava toda dúvida, incerteza e ódio que o moveram até ali. Finalmente ia descobrir os segredos da montanha.

FIM da PARTE I

O Crime da Gávea
Suspense é assim. A gente deixa a expectativa no ar.
Em breve, a Parte II, onde Andre Warwar narra como foi filmar a cena mais importante do filme e nos mostra mais um pouco dos bastidores da Sétima Arte.
Mais informações sobre o filme na página do Facebook.

Colaboração

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NAN