Dois Estranhos curta filme Netflix crítica Oscar 2021

Favorito ao Oscar, ‘Dois Estranhos’ denuncia chacina diária de negros

Bruno Giacobbo

“Aprenda a me ver como irmão em vez de sermos dois estranhos”, Tupac.

A despeito de tudo o que dizem por aí sobre Judas e o Messias Negro, Uma Noite em Miami ou A Voz Suprema do Blues, o melhor filme de temática negra do Oscar (de longe, por sinal) é Dois Estranhos (Two Distant Strangers), o curta-metragem de Travon Free e Martin Desmond Roe, produzido pela Netflix, que, salvo algum desastre ou o preconceito ainda reinante contra o canal de streaming, desponta como o grande favorito para levar a estatueta para casa.
Aliás, o ponto de partida é a história de George Floyd. Não, o curta não é uma dramatização dos fatos reais. Na verdade, o covarde assassinato de Floyd serve de inspiração para a história de Carter (Joey Bada$$), que, após uma fortuita noite de amor com Perri (Zaria Simone), é morto pelo policial Merk (Andrew Howard). No entanto, como em um passe de mágica, o protagonista acorda novamente na cama da moça e passa a reviver aquele traumático dia infinitamente.

Diferenças no looping temporal

De fato, não há nada de novo na praça. Isso porque um dos melhores filmes da temporada de prêmios deste ano, ignorado pelo Oscar por ser, provavelmente, indie até a raiz do cabelo, Palm Springs, usa o mesmo artifício. Personagens tentando se desvencilhar do looping temporal ao qual estão aprisionados. Só que a diferença entre as duas obras em questão e outras tantas que foram feitas antes está no efeito pretendido ao lançar mão de tal recurso.
Carter não é Carter, Merk não é Merk. Carter representa os milhares de jovens negros que são mortos todos os anos nos Estados Unidos, no Brasil e no mundo. Os Floyds não famosos. Já Merk é uma representação dos algozes, sejam eles policiais ou não. Ao encenar o assassinato de Carter diversas vezes e de muitas formas diferentes, Free (que também é o autor do roteiro) e Roe estão nos lembrando destes crimes que viram estatísticas, mas que não viram manchetes de jornais e não aparecem no noticiário da noite.
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Afinal, ‘Dois Estranhos’ é bom?

Além disso, o curta Dois Estranhos chama a atenção pela maneira como trata de um tema extremamente importante. É um exemplo perfeito de como os recursos fílmicos podem e devem ser usados para engrandecer a dramaturgia. Se os dias de Carter se repetem é porque, na realidade, os dias são todos iguais para milhares de jovens negros. Todo dia alguém é assassinado tentando voltar para o seu cachorro, caminhando pelo quarteirão do bairro ou tomando um sorvete. Aqui, não há o emprego da técnica só pela técnica. Se assim fosse, soaria bastante artificial.

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O filme é ainda muito rico em detalhes. Em uma tomada panorâmica de uma avenida enxergamos, no alto de um prédio, o nome de George Floyd pichado com grafite preto. Quando a câmera dá um close na porta de uma viatura, somos apresentados ao lema da força policial de Nova Iorque: “cortesia, profissionalismo e respeito”. Irônico, trágico e de mau gosto. Nem todos os filmes precisam passar uma mensagem, mas todos dizem alguma coisa. Esses detalhes, em maior ou menor escala, contribuem para o que essa história queria dizer.
Se Dois Estranhos é uma pequena e memorável obra cinematográfica, isso se deve, também, às atuações inspiradas de Joey Bada$$ e Andrew Howard. Tirando Zaria, que é a coadjuvante com mais tempo de cena, a ação é toda centrada na dupla: os estranhos distantes, segundo o título original, mas que de alguma forma vão se aproximando à medida que o dia se repete. Contudo, isso não quer dizer que em um futuro próximo a tragédia será evitada, embora fique claro que Carter jamais desistirá de voltar são e salvo para Derek Jeter.
Desliguem os celulares e boa diversão.

TRAILER

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FICHA TÉCNICA DO CURTA ‘DOIS ESTRANHOS’

Título original do filme: Two Distant Strangers
Direção: Travon Free, Martin Desmond Roe
Roteiro:
Travon Free
Elenco:
Joey Bada$$, Andrew Howard, Zaria
Onde assistir ao curta ‘Dois Estranhos’: Netflix
Data de estreia: sex, 20/11/2020
País: Estados Unidos
Gênero: drama
Ano de produção: 2020
Duração: 32 minutos
Classificação: 16 anos

Bruno Giacobbo

Um dos últimos românticos, vivo à procura de um lugar chamado Notting Hill, mas começo a desconfiar que ele só existe mesmo nos filmes e na imaginação dos grandes roteiristas. Acredito que o cinema brasileiro é o melhor do mundo e defendo que a Boca do Lixo foi a nossa Nova Hollywood. Apesar das agruras da vida, sou feliz como um italiano quando sabe que terá amor e vinho.
NAN