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O estudo de fãs e a cultura pop no Brasil, com Aianne Amado

Ultraverso Acadêmico

Na última entrevista da temporada do projeto ULTRAVERSO Acadêmico, a pesquisadora Aianne Amado fala sobre cultura pop e estudo de fãs, assim como epistemologias e metodologias da comunicação e Economia Política.

Aianne Amado, aliás, é doutoranda em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo. Além disso, é mestre na mesma área pela Universidade Federal de Sergipe; bem como membro do grupo OBSCOM/CEPOS.

Portanto, confira a entrevista de Aianne Amado para o ULTRAVERSO Acadêmico realizada em parceria com o Laboratório CULTPOP sobre estudo de fãs!

Como você começou a se interessar pelo estudos de fãs? Além disso, como isso influenciou na sua trajetória/carreira como pesquisadora?

Graduanda em audiovisual e com aversão a sets (uma combinação nada oportuna), me descobri pesquisadora durante a Iniciação Científica. Lá estudei o modelo narrativo de longas-metragens de animação no estilo popularizado pelos estúdios Disney.

Foi meu primeiro contato com pesquisa em cultura pop, seis anos atrás. Durante o trabalho, me deparei com o termo “estudos de fãs”. E lembro da sensação de espanto e curiosidade por saber da existência desse campo. 

Sempre fui fã. Lembro que desde nova meu consumo nunca se restringiu ao objeto cultural. Necessitava expandi-lo, conversar sobre ele, trocar figurinhas (literal e conotativamente), assistir vídeos, ler sobre nas revistas teens, interagir em comunidades virtuais, viajar milhares de quilômetros para ir a shows, comprar roupas, ir em pré-estreias etc.

Incômodos

Ao mesmo tempo, alguns pontos sobre aquilo me incomodaram:

1) Não entendia por que tamanho afeto por alguém que nunca me viu. Ou pior, por personagens que sequer existem;

2) Me entristecia a forma que era recebida por quem não participava de fandoms (especialmente adultos) a respeito da minha idolatria. A ponto de, mais velha, me sentir constrangida a escondê-la em diversas situações;

3) Como a maioria dos meus ídolos eram internacionais, ao longo dos anos percebi ter me distanciado da cultura brasileira, nordestina e sergipana. 

Terapia intensiva

Diante de todo esse “background”, descobrir a existência de um subcampo científico específico para o tema, que me ajudaria a desvendar as respostas par essas questões, foi como a maçã que caiu na cabeça de Newton.

Levei o tema para o mestrado, onde estudei precisamente fãs brasileiros de objetos culturais internacionais e as implicações socioculturais desse consumo. Mais que um título, costumo dizer que minha dissertação me ofereceu uma terapia intensiva, em que pude confrontar e entender parte significativa da minha vida.

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Aliás, os estudos de fãs pesquisam exatamente o quê? Quais perspectivas, por exemplo, pode se abordar quando se estuda o tema? 

Essa é uma ótima pergunta. Obviamente, quem pesquisa fã, pesquisa fã. Mas como já mencionei na resposta anterior, existe uma interpretação negativa associada a esse consumo específico. De forma que muitos “fãs” se escondem por trás de outras denominações (“entusiasta”, “especialista”, “estudioso”, “aficionado”, “cinéfilo”, “torcedor” etc.), fazendo com que, usualmente, o termo se restrinja a denominar uma audiência ligada à cultura pop, por vezes infantilizada e alienada.

Muitos pesquisadores da área, especialmente no Brasil, pelo que venho observando, caem nessa mesma armadilha. Em levantamento feito no mestrado, constatei que praticamente todas as pesquisas que mencionavam a palavra “fã” e suas derivações em seus títulos, resumos e palavras-chaves, se referiam à idolatria de objetos da cultura pop.

Definições

Dentre as muitas definições, minha preferida é que uma comunidade de fãs é exemplo de “cultura participativa que transforma a experiência do consumo de mídia em produção de novos textos. Na verdade, de uma nova cultura e uma nova comunidade” (Jenkins, 2008, p. 43).

Neste sentido, é possível ser fã de virtualmente tudo. Existem os fãs de marcas; de comida; de cidades e países. Fãs de esporte e de jogos. De criminosos; de religiosos; e de políticos. Ou ainda os haters e anti-fãs, que são fãs de não serem fãs. E até os fãs de fãs.

Eu diria, portanto, que quem pesquisa fã estuda a interação em grupos sociais cujo único critério de delimitação é o engajamento acerca de um mesmo objeto.

Vale lembrar, também, que apesar de comumente estar atrelado aos Estudos de Recepção, os fãs são objetos de pesquisa, podendo se inserir nas mais diversas linhas teóricas do campo da Comunicação e Cultura – e quiçá das Ciências Sociais em geral. As perspectivas são inúmeras.

Quando, de fato, começaram os estudos de fãs no Brasil? E como você vê esses estudos hoje?

Poderia dizer que a pesquisa sobre fãs no Brasil começou com o próprio campo da Comunicação, visto que a audiência é parte indissociável do fazer comunicativo e o fandom é parcela mais significativa desta.

Porém, considero o marco histórico para os estudos de fãs brasileiros como temos hoje (reconhecendo e respeitando esse consumo, feita por autores que preferencialmente também se identifiquem como fãs) a dissertação de Adriana Amaral, em 2002, sobre fãs gaúchos da banda U2.

Numa época de internet discada, em que o principal meio de comunicação do fandom era a lista de e-mails e o objetivo principal parecia ser marcar encontros presenciais, a autora utiliza o que seria o início de uma metodologia de pesquisadora insider em comunidades virtuais de fãs. 

Marcos fundamentais

De lá para cá, houve alguns marcos fundamentais para o estabelecimento do objeto: a tradução no Brasil do livro Cultura de Convergência, de Henry Jenkins, em 2008 pela Editora Aleph, uma das primeiras referências no tema; bem como o surgimento e crescimento das mídias sociais, particularmente populares no Brasil; e o boom na economia brasileira no chamado Milagre Econômico, que permitiu mais investimento financeiro e pessoal em atividades culturais, tornando evidente a importância de estuda-las.

Nesses quase 20 anos, já possuímos centenas de teses e dissertações voltadas ao objeto, participação frequente em eventos da área, alguns dossiês especiais em revistas e grupos de pesquisa atuantes no debate. Ainda há um longo caminho a ser percorrido, sobretudo na diversificação teórica, porém, acompanhando a movimentação de fãs na própria sociedade (como o #FreeBritney e o ativismo notável dos K-poppers), confesso que me pego cada vez mais otimista.

Então quais as maiores dificuldades e/ou obstáculos que o pesquisador de fãs geralmente tem?

Infelizmente, volto a falar no estigma contra a figura do fã – que acaba por influenciar como a pesquisa dos mesmos é vista também academicamente. Não foram poucas as vezes que precisei justificar a validade do meu objeto.

Sem pesquisadores e professores que (re)conheçam o subcampo, é difícil conseguir estabelecê-lo. Particularmente, durante a escolha do programa de doutorado, me incomodou o número limitado de professores que já tinham orientado ou demonstravam interesse em orientar pesquisas nesta direção.

O reconhecimento dos estudo brasileiros também é um desafio quando se trata da academia internacional: devido ao início tardio (uma década depois de Textual Poachers, também de Jenkins (1992), considerada a primeira publicação dos estudos de fãs) e as restrições linguísticas, para não mencionar o inegável preconceito com pesquisas latino-americanas nas Ciências Sociais, são poucos os autores nacionais que conseguem publicar ou participar de eventos fora do país.

Enfim, como você explicaria a importância de pesquisar esse tema? 

Para mim é até difícil responder essa questão, pois considero óbvia a importância de buscar compreender o que tem por trás de uma indústria que move bilhões – às vezes na bilheteria de um só filme. 

Acima, mencionei o #FreeBritney e o ativismo relativo ao Kpop, mas as implicações sociais, políticas, culturais e até econômicas do consumo de fãs são várias e bem anteriores.

Pensemos no turismo gerado pelos parques de Orlando; assim como nas revoluções na moda que fenômenos como Euphoria causa; nas discussões sobre preconceitos contra minorias e direitos humanos que o BBB causa ano após ano; no número de pessoas que, assim como eu, aprenderam novas línguas através das letras de suas bandas preferidas; no hibridismo cultural possibilitado pela união de tradições locais com consumos transculturais; nos avanços das tecnologias digitais impulsionados pelo uso dos fandoms, sempre na vanguarda dessas mídias, etc.

Essa importância cresce ainda mais quando saímos no âmbito da cultura pop e lembramos que todo grupo interativo e transformativo com um afeto em comum é ou tende a se comportar como fandom. Numa época de bolhas digitais e cultura de nicho, os Estudos de Fãs fornecem uma bagagem teórica fundamental e já estabelecida para entender movimentos sociais atuais, inclusive os anticiência que menciona. 

Por fim, quais dicas você daria para graduandos que se interessam pelo tema? Por onde começar a traçar essa trajetória?

A primeira seria: reflitam sobre suas próprias experiências como fãs e descubram perguntas que despertem interesse genuíno. Por mais clichê que seja, dessa forma a pesquisa vira uma descoberta deliciosa.

Em segundo lugar: leiam bastante material, especialmente de pesquisadores brasileiros. Sinto muita falta de um campo que discuta fãs brasileiros em nossas particularidades. Isso porque temos um consumo bastante único e que se destaca em todo o mundo. E, por último, conversem com suas referências!

O mais legal dos Estudos de Fãs é que a maioria dos autores é nova, ativa nas redes sociais e sempre solícita para ajudar e trocar ideia. Eloy Vieira, do CultPop, foi uma das primeiras pessoas que conversei sobre e hoje é um grande amigo.

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Ultraverso Acadêmico

Ultraverso Acadêmico: uma parceria do site Ultraverso com o grupo de pesquisa Cultpop, do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Unisinos. Tem o objetivo de desmistificar a pesquisa acadêmica e popularizar a ciência, tornando-as mais próximas a todos.
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