EXCLUSIVO | “Ele ousou dar uma resposta, e ela é um tanto sombria e violenta”, dispara criador do ‘Doutrinador’

Cadu Costa

Agora não tem mais volta. Corruptos, preparem-se para serem doutrinados! Estreia nessa semana O Doutrinador, filme baseado num quadrinho 100% brazuca com o anti-herói mais necessário da nação.

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Como não podia deixar de ser, o BLAH! foi entrevistar o criador Luciano Cunha e o papo fluiu sobre quadrinhos, política e claro, novidades. Confere aí!

BLAH CULTURAL – Luciano, em primeiro lugar, é um prazer falar com você. Como está o coração e a expectativa da estreia do filme d’O Doutrinador?

LUCIANO CUNHA – Muita ansiedade e coração a mil.

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BC – Seu personagem nasceu da revolta do povo brasileiro com a corrupção, lá em 2008 com o personagem ‘O Vigilante’, e se intensificou com os protestos de 2013, com você o reinventando com o nome de “O Doutrinador”. Pode nos contar um pouquinho mais sobre esse processo de origem do personagem?

Criei o personagem em 2008, não lembro mais qual era o escândalo do dia, já que cada dia temos um, não é mesmo? Não me recordo especificamente o que me fez pegar o lápis e começar a desenhar, mas deve ter sido o acúmulo de coisas. Sempre fui muito politizado e naturalmente revoltado contra nossa classe política. Só queria extravasar essa indignação de alguma maneira. E aí criei o personagem.

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Luciano Cunha na Geek & Game deste ano (Foto: Wilson Spiler BLAH CULTURAL)

BC – Quais foram as suas inspirações artísticas pra criação do Doutrinador? Já ouvi você falar de Frank Miller, Darwyn Cooke, o universal Stan Lee, entre outros. Mas sempre tem aquele do coração. Consegue apontar?

Frank Miller, com certeza. Sua obra nos anos 80 mudou a história dos quadrinhos e me influenciou para sempre. É uma pena que ele tenha se perdido no caminho, mas ainda é um dos maiores gênios da indústria.

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BC – Falando do filme que estreia essa semana. Ficou satisfeito com o resultado final? Como foi esse processo de construção do projeto?

Sim, estou muito feliz com o resultado. Foi um processo longo de muito trabalho, não foi nada fácil como as pessoas pensam. Muitas mentes criativas opinando, muita briga para manter a alma do personagem, mas, ao mesmo tempo, muito foco, profissionalismo e — o mais importante — respeito e amor pela arte. É um projeto pioneiro no Brasil, então era inevitável uma tensão no ar.

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BC – Com base no trailer do filme, veremos um policial que assume a máscara do Doutrinador. Nos quadrinhos, as origens são diferentes. Era difícil unir as duas mídias? Ou a mensagem é mais do Doutrinador ser um símbolo e não uma pessoa?

Ser um símbolo sempre foi a premissa, né? Tanto que vários protagonistas assumem a identidade do Doutrinador durante as edições do quadrinho. Mas a origem no filme ser diferente é basicamente por dois motivos fundamentais: na HQ de origem, o primeiro Doutrinador é um homem sessentão, um coroa. Simplesmente não temos um ator no Brasil com esse perfil, ou seja, um ator de 60 e poucos anos com aptidão física para viver um anti-herói que luta, atira, faz parkour pela cidade. Além disso, precisávamos trazer o personagem para um cenário mais moderno, pois a garotada não está ligada nos anos de chumbo, na ditadura, cenário em que o primeiro protagonista nasceu.

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BC – Bom, o filme chegou a ter sua estreia programada para setembro antes das eleições. Foi uma estratégia de marketing adiar pra essa semana, logo após uma das mais violentas (em todos os sentidos) eleições brasileiras? 

Não, foram problemas com a Ancine mesmo, de agenda e classificação etária.

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BC – Ainda com foco nas eleições, é inevitável que, mesmo que o Doutrinador lute por diversas causas populares e sociais, ele possa sofrer comparações com discursos mais fascistas por conta da questão de punição com a morte. Como você enxerga isso? Como veria o seu personagem nesse momento exato do país? Eu enxergo ele como um homem sem ideologia, apartidário e alimentado somente com pura revolta. É por aí?

O genial George Orwell, considerado por muitos o melhor cronista da cultura inglesa do século XX e autor dos clássicos 1984 e a Revolução dos Bichos, duas obras seminais contra qualquer forma de injustiça social e totalitarismo, se dedicou a resenhar sobre o fascismo. Num desses artigos, Orwell escreve: “Se você examinar o que se tem escrito por aí, verás que não existe quase nenhum grupo de pessoas que não tenha sido denunciado como fascista durante os últimos dez anos. Tenho visto o termo sendo aplicado com toda a seriedade aos mais diversos indivíduos que em nada justificam seu significado.”A influência de Orwell na cultura contemporânea é sentida até os dias de hoje e o próprio adjetivo orwelliano — usado para definir qualquer prática social autoritária ou totalitária — já faz parte do imaginário cultural ocidental.

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No nosso cenário de Fla-Flu eleitoral deste ano, o termo fascista se tornou uma espécie de insulto preferido por parte do campo progressista. Para militantes, então, o uso indiscriminado e lançado a todas as direções carregou a palavra de um teor quase que puramente emocional. A coisa ficou tão comum que, de maneira grosseira, o termo fascista passou a se referir, no Brasil, a algo cruel, inescrupuloso, arrogante, obscurantista e, preferencialmente, de direita e anti-trabalhador.

Foto: Aline Arruda / Downtown Filmes / Divulgação

O Doutrinador foi criado como puro entretenimento escapista, a maneira de externar a minha total revolta e indignação contra a classe política brasileira. Nada do ideário fascista lhe cabe: ele não é antiliberal, nem tampouco é anti-classe trabalhadora. Não é estatista, tampouco é um tirano. Nem sequer é nacionalista. Em suas duas edições principais já publicadas, ele se aproxima mais do niilismo na primeira aventura e é um cidadão que acredita nas vias democráticas na segunda. Como pode ser esse personagem um fascista? “Ah, mas ele é violento demais para chegar aos seus objetivos!” Segundo os estudiosos Randy Duncan e Matthew Smith, o Mito da Violência Redentora é um pilar das convenções do gênero de quadrinhos de super-heróis ou anti-heróis. No vigilantismo, conceito levado à condição de culto pelo Batman e tantos outros mascarados (e onde o Doutrinador se insere), a imensa maioria de personagens age contra ou à margem da lei, mas com o intuito de garanti-la. No país onde o gênero de super-heróis nasceu, os EUA, a crença na lei é um dos pilares que (supostamente) sustentam a nação.

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Numa sociedade como a nossa, onde a lei só é respeitada quando é conveniente, um anti-herói poderia agir para que ela fosse cumprida? Ou só lhe restaria uma fúria cega contra um Estado que massacra diariamente seus cidadãos? O Doutrinador ousou dar uma resposta. E, sim, ela é um tanto sombria e violenta.

Retornarei, então, ao magistral Orwell, que já no ano de 1944 avisava: “É impossível definir satisfatoriamente o termo fascista, tudo que se pode fazer é usar a palavra com certa medida de circunspecção e não, como usualmente se faz, degradá-la ao nível de um palavrão.”

BC – Voltando ao filme, acha que poderemos ter mais adaptações de quadrinhos brasileiros? Tá vindo uma versão no cinemas da Turma da Mônica por aí. Mas você acredita que, com o sucesso do Doutrinador, mais obras possam trilhar esse caminho?

Já está acontecendo, já é realidade e isso me orgulha muito. Tenho quatro amigos quadrinistas que estão negociando suas obras com canais e produtoras, um deles já assinou contrato.

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Foto: Aline Arruda / Downtown Filmes / Divulgação

BC – Como você enxerga o mercado do quadrinho brasileiro? Acredita que o sucesso do Doutrinador possa vir a ser um divisor de águas? 

Quanto ao mercado de quadrinhos propriamente dito, é difícil avaliar. Eu acho que nunca tivemos tanta gente talentosa, mas ainda é um problema nossa distribuição e os projetos gráficos ainda ficam sempre caros. Ainda temos a crise com as grandes livrarias, como Fnac e Saraiva. Acho que o audiovisual lançando sua atenção para a cena pode ser um bom caminho, vamos torcer.

BC – Por fim, o que mais podemos esperar de novidades sobre o Doutrinador? Tem uma série no canal Space e uma nova edição dos quadrinhos chegando. Conte-nos um pouco mais, por favor. E deixe uma mensagem aos fãs.

Tenho dois outros roteiros prontos para serem produzidos, mas acho que terão que ser desenhados por outro artista, já que não tenho mais tempo para desenhar por estar envolvido demais com a Guará Entretenimento, a editora/ produtora que acabei fundando com meu sócio e amigo Gabriel Wainer. Vamos lançar um universo compartilhado que se inicia no Doutrinador, então estamos finalizando 3 edições de novos personagens que estreiam agora na CCXP: Penélope, Os Desviantes e Santo. Penélope já é nosso primeiro spin-off do universo, é uma personagem que estará na série do Doutrinador. Então peço aos fãs que fiquem ligados não só no filme e na série do Doutrinador, mas também em todo o universo que se expande a partir de dezembro. Espero todos no cinema, hein? Abração!

Muito obrigado, Luciano. 

Então é isso, pessoal. O Doutrinador estreia nos cinemas nesta quinta-feira, 01 de novembro. Não percam!

Quer saber o que achamos do filme? Aqui ó:

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Cadu Costa

Cadu Costa era um camisa 10 campeão do Vasco da Gama nos anos 80 até ser picado por uma aranha radioativa e assumir o manto do Homem-Aranha. Pra manter sua identidade secreta, resolveu ser um astro do rock e rodar o mundo. Hoje prefere ser somente um jornalista bêbado amante de animais que ouve Paulinho da Viola e chora pelos amores vividos. Até porque está ficando velho e esse mundo nem merece mais ser salvo.
NAN