Especial Quentin Tarantino | O início e os ‘Cães de Aluguel’
Pedro Marco
Quentin Jerome Tarantino, um grande expoente do cinema hollywoodiano moderno, aproxima-se do lançamento de seu nono filme autoral. Para isto, relembraremos sua carreira recheada de clássicos e colaborações. Analisaremos filme a filme, suas maiores influências e o bizarro universo compartilhado que permeia por baixo dos panos.
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Início da carreira
Nascido em 1963, o garoto do Tenesse apresentava, desde jovem, sua grande paixão por cinema. Aos 16 anos, iniciou seus estudos de atuação na James Best Theatre Company, na Califórnia. Mas seria na locadora de filmes Video Archive, em Manhattan Beach, onde adquiriria a grande bagagem que o alçaria para o estrelato.
Sua primeira tentativa na direção viria no amador “My Best Friend’s Birthday”. O filme foi feito com ajuda de amigos e um orçamento mínimo. Apesar de bastante esquecido pela crítica e público por seu ar quase caseiro, o longa de 70 minutos continha a cinematografia de James Avery (que mais tarde acompanharia Tarantino em “Cães de Aluguel” e “Pulp Fiction”). Além disso, daria uma certa experiência para o diretor dar seu primeiro grande passo cinco anos depois.
A produção de ‘Cães de Aluguel’
Em 1992, Quentin Tarantino havia utilizado seu maior dom, como roteirista, para contar a história de um estranho casal de assaltantes que acabam cruzando os Estados Unidos em uma jornada sangrenta e cheia de reviravoltas. Tendo vendido o roteiro, pois não teria orçamento suficiente para filmá-lo, este texto acabaria desencadeando os filmes “Amor à Queima-Roupa” (Tony Scott, 1993) e “Assassinos por Natureza” (Oliver Stone, 1994). Esta venda, somada às economias de Quentin, arrecadariam o suficiente para seu novo filme: US$ 30 mil, uma câmera 16mm e a ajuda de seus melhores amigos.
No entanto, foi justamente a amizade que deu um grande salto na carreira do diretor. Chamado para ajudar na produção do filme, Lawrence Bender (que viria a produzir grande parte dos filmes do diretor) conseguiu fazer com que o roteiro de “Cães de Aluguel” chegasse ao já conhecido Harvey Keitel. O ator, que havia sido alçado por “Thelma & Louise” e “O Piano”, não apenas aceitou atuar na produção como “Mr. White”, como ainda entrou de produtor executivo, investindo US$ 1,5 milhão no longa.
Ajuda de atores
Ainda assim, o investimento deixava apertada a produção do longa. Ele teve que contar com a ajuda dos atores, que precisaram usar muitas vezes suas próprias roupas como figurino, bem como emprestar seus carros pessoais para as filmagens (como o cadillac do ator Michael Madsen). Sem ajudantes para controlar o tráfego ou orçamento para maquiadores, Robert Kurtzman, experiente artista do ramo de filmes de terror, topou fazer seus serviços de maquiagem gratuitamente. Mas havia uma condição: que Tarantino adaptasse um conto seu chamado “Um Drink no Inferno”.
Apesar das restrições orçamentárias, Tarantino não perdia seu perfeccionismo. Ele utilizou os últimos trocados para contratar um paramédico que assegurasse que a quantidade de sangue perdida por Mr. Orange fosse compatível para uma pessoa permanecer viva.
O roteiro de ‘Cães de Aluguel’
O enredo do filme beira uma simplicidade absurda. Um grupo de seis homens com antecedentes criminais é reunido por uma espécie de rei do crime a fim de realizar o roubo de uma carga de diamantes em uma joalheria. Entretanto, uma emboscada policial os aguardava no local. Por isso, a busca por quem seria o traidor do grupo acaba desencadeando uma série de desentendimentos.
Bem, ao menos é o que se consegue montar ao final do longa. Ao conhecer a filmografia de Quentin Tarantino, vemos constantemente uma forma não cronológica de se contar histórias. A ordem “bagunçada” das cenas pode parecer um simples capricho, mas constrói uma narrativa experimental característica e autoral. Além disso, os diálogos avulsos sobre questões cotidianas, bem como as referências à grande bagagem cultural do diretor, coroam o destaque ímpar logo em seu primeiro filme.
Suas influências para criar o roteiro eram bem adversas. Em uma inspiração central ao clássico “O Grande Golpe” (Stanley Kubrick, 1956), Tarantino mostra sua paixão por filmes violentos sobre crimes planejados, apesar de desenvolver um filme de roubo, onde o ato em si em momento algum é mostrado. Outras influências diretas surgem de “The Taking of Pelham 123″ (Joseph Sargent, 1974) e “The Pope of Greenwich Village” (Stuart Rosenberg, 1984), ambos também sobre assaltos. Em suma, a vida dos próprios atores ajudava a montar as características do enredo. Por exemplo, o personagem Mr. Blue (Eddie Bunker), que recebeu este nome por conta da autobiografia que o ator havia escrito após sair da penitenciária, chamada “Little Boy Blue”.
A direção precisa de Tarantino
Mas não apenas como roteirista se destacava Tarantino. Sua direção precisa já mostrava traços que o acompanhariam por toda a carreira. As belas cenas internas em automóveis, assim como a tensão do impasse mexicano, a câmera inquieta durante a história do banheiro e o crescente de violência ao virar o olho do espectador para longe da cena em si, enchiam os olhos de cineastas da época para este novato prodígio.
O filme é lembrado ainda por conter a criação de duas marcas fictícias de Tarantino. O Jack Rabbit’s Slim, danceteria temática dos anos 50 citada no rádio. Ela, mais tarde, apareceria em “Pulp Fiction”, e o Big Kahuna Burger, que surge no copo de refrigerante do Mr. Blonde. O local também seria mostrado em “Pulp Fiction”, “Kill Bill”, “Um Drink no Inferno” e “Grande Hotel”.
Universo compartilhado
Ainda neste curioso universo compartilhado, Vic Vega (ou Mr. Blonde, interpretado por Madsen) seria o irmão de Vince Vega, personagem de John Travolta em “Pulp Fiction”. Já o personagem Mr. White (Keitel) diz ter trabalhado com Alabama, personagem de Patrícia Arquete em “Amor à Queima-Roupa”. Por outro lado, Mr. Blonde cita o detetive Seymour Scagnetti, parente de Jack Scagnetti em “Assassinos por Natureza”.
Lucro
Por fim, com 275 “fucks” ditos durante os 99 minutos de duração do filme, a estreia de Quentin Tarantino nos cinemas rendeu apenas US$ 2,83 milhões, que apenas foram elevados quando seu segundo filme estourou em Cannes e fizeram o grande público ir atrás de onde esse cara havia começado. Mas isso é uma história para bem mais à frente.