Especial Quentin Tarantino | O clássico dos clássicos: ‘Pulp Fiction’

Como o próprio filme expõe em seu primeiro take, retirado do dicionário nacional norte-americano, Pulp Fiction se refere às revistas baratas feitas com polpa de celulose. Elas contêm histórias de amor, bem como drama, sexo e violência. Chamado no Brasil pelo subtítulo “tempos de violência”, “Pulp Fiction” é subjetivamente aclamado como o melhor filme de Quentin Tarantino. Além disso, também é considerado um dos melhores longas da história do cinema. Como argumento, exibe sua Palma de Ouro no Festival de Cannes de 1992. A estatueta é vista por muitos como a mais respeitada celebração do cinema mundial.

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‘Pulp Fiction’ nasceu de uma trilogia

Lançado apenas dois anos após seu primeiro filme, “Pulp Fiction” confirmava que “Cães de Aluguel” não havia sido uma tacada de sorte de Tarantino, mas o piloto de uma carreira vindoura. Com todos os elementos que seriam extrapolados pelo diretor e por seu corroteirista Roger Avery. Tarantino havia saído do apertado orçamento de seu primeiro filme e garantido um retorno de US$ 15 mil para poder sentar e pensar no seu próximo passo. Foi assim que, nas suas férias em Amsterdã, ele decidiu resgatar um roteiro de Avery escrito em 1990 para desenvolver um curta. Esta ideia cresceu com enredos e personagens até se tornar uma trilogia.

O projeta consistia em cada filme desta antologia, sendo cada um dirigido por um diretor. Os dois primeiros Tarantino e Avery, com um terceiro nunca revelado. O primeiro roteiro – de Tarantino – se chamava “Black Mask”. Era uma referência ao clássico do horror “Black Sabbath”, de 1964. O segundo seria dirigido por Avery. O longa se chamaria “Pandemonium Reigns”. Quase toda sua integridade seria adaptada para o arco do relógio de ouro em “Pulp Fiction”. Após inúmeras revisões e reescritas, em 1993, o longa nascia como um roteiro único e fechado, contendo os 3 arcos como partes separadas de uma mesma história.

Primeiro ato

O primeiro ato conta com um rápido prólogo em uma lanchonete. Em seguida, a saga de Vicent Vega, um mafioso recém-chegado de Amsterdã que recebe a missão de acompanhar a esposa de seu chefe em uma noite agradável. Entretanto, ele recebe a notícia de que um outro subordinado havia sido jogado da janela por encostar as mãos na moça, o que acalenta mais a tensão do encontro. Em uma divertida sequência no jantar de Vicent com Mia Wallace (Uma Thurman), vemos o nascimento de uma das cenas mais icônicas da história do cinema. Além disso, estamos diante da presença da capacidade de Tarantino em causar uma crescente absurda em uma história que, até então, parecia não passar de romance proibido clichê.

O take dos dois dançando twist no Jack Rabbit Slim’s imortalizaria o filme nos anais da história do cinema (veja abaixo). Assim como nos prepararia para a tensa cena de overdose de cocaína que viria a seguir. Em seguida, somos introduzidos ao arco de Butch (Bruce Willis) e seu relógio de ouro. Marcada por um monólogo de cair o queixo, proferido por Christopher Walken, a história acompanha o boxeador sendo comprado por Marcellus Wallace para perder sua luta, mas optando por fugir em um esquema de apostas a favor de sua vitória. Mais uma vez, a trama simples escalona desenfreadamente até um ponto que beira ao extremo bizarro em seu desfecho. Entretanto, ela acaba se tornando plausível após todos os minutos de preparação que o roteiro passa ao espectador.

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Terceiro e último ato de ‘Pulp Fiction’

Ao chegar no terceiro e último arco de histórias, o que parecia ser finalmente um momento de respiro mostra-se um dos grandes tesouros de “Pulp Fiction”. E certamente uma das principais marcas registradas do diretor. Assim como em “Cães de Aluguel” e, mais tarde, em “Kill Bill”, o roteiro da dupla se passa em uma não-linearidade, sendo seu epílogo uma sequência direta do prólogo e passando-se antes de toda a trama do relógio de ouro.

Retomamos para Vicent Vega e Jules (Samuel L. Jackson) em uma sequência direta de sua investida inicial para resgatar uma maleta de seu contratante. Com um suposto milagre, um acidente bizarro e a tão aguardada participação de Tarantino como ator no filme, sendo uma espécie de Stan Lee do seu próprio universo. A cena conta ainda com o retorno de Harvey Keitel, o grande astro que possibilitou seu primeiro filme, e fecha amarrando-se à lanchonete em que fomos jogados no primeiro segundo do longa (veja um trecho).

Homenagens à sétima arte

Regado de surf music, bem como referências cinematográficas, símbolos e teorias, “Pulp Fiction” se sustenta como um clássico atemporal e com discussões sustentadas por mais de 20 anos. Sua bagagem de homenagens à sétima arte se equiparam às do seu quarto filme. Por exemplo, a recriação de uma cena de “Psicose” (1960) de Hitchcock; a dança em homenagem a “Bando à Parte” (1964) de Godard; as armas encontradas por Butch na loja; o martelo de “The Toolbox Murders“ (1978); o taco de beisebol de “Os Intocáveis” (1987); a motosserra do “O Massacre da Serra Elétrica” (1974); e a katana de “Os Sete Samurais” (1954), mais tarde adaptada para uma icônica Hatori Hanzo do universo de “Kill Bill”.

E ainda no mundo do quarto filme de Tarantino, Mia Wallace cita ter participado de um programa que incluía “uma loira boa com facas, uma japonesa mestre de kung fu, uma negra especialista em demolição e uma francesa boa em sexo”. O que define muito bem as quatro víboras mortais de Bill, sendo a “loira” interpretada também por Uma Thurman.

Conteúdo aberto à interpretação

Outras famosas teorias rondam acerca da maleta, chave das tramas do primeiro e terceiro ato do filme. Com um brilho e admiração de todos que a abrem com a senha 666, teorias vão desde os diamantes roubados pelos “Cães de Aluguel”, até a alma de Marcellus Wallace. O que justificaria não apenas seu cego interesse no conteúdo, como o curativo em sua nuca. Contudo, Tarantino não apenas desmentiu o fato, levantando que o conteúdo é aberto à interpretação de cada um, como sugeriu também que o ator Ving Rhames havia se cortado ao raspar a cabeça. Todavia, decidiram manter o curativo como uma identificação visual do personagem. Um ponto a ser analisado é o simbolismo acerca das idas ao banheiro de Vincent, que são sempre acompanhadas de viradas na trama como a overdose de Mia, o assalto na lanchonete e até mesmo sua morte.

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Paralelo com Rei Arthur

Por metáforas, o filme traria um paralelo com as lendas arthurianas na construção de seus personagens. Vincent seria Lancelot, francês considerado invencível e enviado por Artur para missões especiais. Jules seria Galahad, tido como um cavaleiro nobre, pois era mais virtuoso que os demais e tinha qualidades como pureza de espírito e uma fé inabalável. Mia seria Guinevere, casada com o Rei Arthur. Vincent chega perto de se envolver com Mia e a salva de uma overdose. Já Guinevere teve um caso com Lancelot e ele a salvou da fogueira, na qual seria jogada.

Marsellus seria o próprio Rei Arthur, que quer buscar seu Cálice Sagrado (a maleta). Butch seria Mordred, filho de Arthur. Ambos traem a confiança do seu superior (Butch fugindo da luta e Mordred da guerra). Por fim,  Winston Wolfe seria Merlin respeitado por sua capacidade de fazer o corpo de Marvin desaparecer “magicamente” da vista dos policiais. Mas nada disso nunca foi confirmado pelo diretor.

Sucesso absoluto

O longa foi um sucesso absoluto. A produção custou cerca de US$ 8 milhões e arrecadando mais de US$ 200 milhões. O filme também levou o Oscar de Melhor Roteiro Original, acompanhado de outras 6 indicações. Ademais, “Pulp Fiction” também realçou a fama do esquecido John Travolta, que havia aceitado atuar por “míseros” US$ 150 mil. Tarantino só voltaria a homenagear tanto o cinema mundial com seu atual “Era uma vez em… Hollywood”, mas deste, conversamos semana que vem.

“O caminho do homem justo é rodeado por todos os lados pelas desigualdades do egoísmo e da tirania dos homens maus. Bem-aventurado aquele que, em nome da caridade e da boa vontade, pastoreia os fracos pelo vale das trevas, pois ele é verdadeiramente o guardião do seu irmão e o descobridor das crianças perdidas. E derrubarei sobre ti, com grande vingança e furiosa raiva, aqueles que tentam envenenar e destruir meus irmãos. E você saberá que o meu nome é Senhor quando eu derramar minha vingança sobre você.”

Ezequiel 25:17

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